23 de Set. de 1979… 44 anos depois… a lembrança que não nos deixa. Por aqui TAMBÉM passaram os caminhos da Liberdade.

- Hoje, dia 23 de Setembro de 2015, 44 anos depois, não podia deixar de recordar o dia 23 de Setembro de 1979. Na ilha Brava, acontecimento político amargo, triste, violento, que deixou marcas seguramente no tempo que se seguiu. Tenho pensado que podemos e devemos perdoar, mas não podemos esquecer. Até por razões que têm a ver com a aprendizagem de valores, de princípios, com a relevância que devemos dar a sentimentos fundos, como a gratidão para com outros e com o próprio tempo que se escoa, talvez rápido demais, pela nossa memória, pelos nossos corpos, pela nossa alma, pela nossa dor.

Sep 23, 2023 - 06:50
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23 de Set. de 1979… 44 anos depois… a lembrança que não nos deixa. Por aqui TAMBÉM passaram os caminhos da Liberdade.
Foi um dia, 23 de Setembro de 1979, foram dias seguintes, largos dias de amargura, de revolta, de raiva, de incompreensões, de injustiças, mas quiçá também de construção de esperanças e caminhos novos para muita gente. Certamente nenhum jornal se recordará disto, nenhum telejornal se preocupará com os factos de então, nenhuma entrevista se fará com a data e os acontecimentos. Ficarão apenas os poucos registos da época e um ou outro ulterior escrito pouco badalado.
Mas eu lembro-me, devo lembrar-me, sem rancores, sem ódios, alguma mágoa seguramente. Lembro-me hoje, como me lembro muitas vezes, da morte de Cau, de cenas e comportamentos sombrios, sinistros, da heroicidade de Dave, dos «noticiários» diários ao fim da tarde na Praça, através de um megafone maroto, e do resto. Do silêncio e dos silêncios. Do medo mas também de gestos solidários e corajosos, de enorme coragem física e moral. Lembro-me de que não demorou muito tempo para que me convertesse, até hoje, aos valores da liberdade (liberdade, sempre) e da democracia.
Mas fico por aqui. Estas linhas singelas dedico-as à família de Cau, à lembrança de Nhô Samuel da Furna, ao Dave Barros (verdadeiro herói e resistente), à Dulce, ao Maica, à Ana Morais e à filha, ao Johnny Teixeira, ao Miguel e a tantos outros. Igualmente aos então muito jovens Arnaldo, Alfredo e Júlio que, já no Fogo, três semanas depois, nos consolaram e estimularam durante a «escala» para a Praia.
Deixo aqui como testemunho de uma lembrança já distante, estes versos ingénuos escritos com os meus 28 anos da altura:
HOMOFONIAS DA ARITMÉTICA
ou
AS ATRIBULAÇÕES DA BRAVA ILHA DA SOLIDÃO E DA DOÇURA ESMAGADA PELA ANEMIA
os sons agourentos
eu
a hipotética ave
a morte doce
tu
esta dor turva
uma prisão recauchutada sorri para a fotografia +
subverto logo existo
uma palavra solta desinibida
mas por que terá a onda que quebrar
se o mar é tudo menos tolo e submisso?
ananinhanäo
morrer eu antes morra o patrão +
existo logo resisto
o tecto nublado numa paisagem de verde envergonhado
a ilha mansa rebelando-se uma vez todos os dois anos
a paixäo instantânea sem sequer tempo de um beliscão +
sorriem os girassóis logo existimos
um inquérito embriagado
a polícia...oh! a polícia
a missa o violino o pescado corcunda de tanta ladeira +
näo há tempo para um instante de amor
a lua sorridente
a grade marota
o tudo ou nada
o amor permanente
a subversäo transparente +
cinco tempos de uma demência necessária
Jorge Carlos Fonseca