5 de Julho: PR preocupado com incivilidades, insegurança e falta da cultura de responsabilidade

O Chefe do Estado mostrou-se hoje, no seu discurso à Nação através da sessão especial da Assembleia Nacional alusiva ao 5 de julho, estar preocupado com a questão de incivilidades, violência e insegurança que se regista em Cabo Verde, apesar dos ganhos registados com a independência nacional. José Maria Neves defendeu que seria desejável a autonomização e independência de algumas áreas sensíveis da Administração Pública, ao mesmo tempo que sugeriu, segundo observadores atentos, numa alusão indireta ao alegado escândalo na gestão dos fundos de Ambiente e Turismo, que «a finalidade das inspeções seja a de melhorar o desempenho do órgão inspecionado, com base numa cultura de responsabilidade, sem omissões e com clareza da verdade».

Jul 5, 2023 - 15:51
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5 de Julho: PR preocupado com incivilidades, insegurança e falta da cultura de responsabilidade

Ao faltar do crescimento material, quando nos abeiramos de cinco décadas da independência, o PR considerou que é o contraponto aos cinco séculos anteriores, bastante penosos, e que levaram a muitos prognósticos sombrios, quanto ao futuro do jovem país. Mas destacou que com o destino nas suas próprias mãos, com a garra que o caracteriza, e a vontade férrea de vencer desafios, o caboverdiano conseguiu mudar as ensombradas estatísticas de até então, como estes dados demonstram de forma inquestionável: «O PIB per capita cresceu de 272,2 dólares americanos, em 1976, para 3.122 dólares americanos, em 2021, e a pobreza nacional baixou de 49,0%, em 1989/1990, para 28,1%, em 2022. Viu reduzida a taxa de analfabetismo dos 63,0%, em 1975, para 11,1%, em 2021. A esperança de vida aumentou de 63 anos, em 1975, para 77 anos, em 2021. A mortalidade infantil caiu de 109 por mil nascimentos, em 1975, para 10 por mil nascimentos, em 2022».

Observou que o retrato de hoje é radical e indiscutivelmente diferente do de 1975, com ganhos evidentes. «Cabo Verde é um país de rendimento médio/baixo e que ambiciona alcançar patamares mais elevados. Instauramos um Estado de Direito Democrático e implantamos um Poder Local que funciona. Estabelecemos sólidas parcerias com a União Europeia. No essencial, cumprimos os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e, apesar dos contratempos recentes, nomeadamente, a pandemia, acredito que será possível atingirmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2030», enumerou.

Alerta sobre pobreza e incivilidades com insegurança

Apesar das conquistas inegáveis referidas com o crescimento material alcançado, o Presidente da República alertou para o quadro social alarmante que vive neste momento em Cabo Verde. Defendeu que para que esta crescimento seja mais inclusivo e durável, terá que ter, como simetria, um forte crescimento espiritual.«Neste sentido, é motivo de preocupação, o facto de, nos últimos anos, terem aumentado a taxa de pobreza extrema, a insegurança alimentar nas suas diversas vertentes e a desigualdade social. Igualmente, é particularmente inquietante a constatação de que 51.654 jovens, entre os 15 e 35 anos, estejam tanto sem emprego como fora do sistema de ensino ou formação, representando 29,2% do total dos jovens nesta faixa etária. Isso constitui motivo de elevada preocupação, devendo merecer toda a atenção possível de todos os órgãos de soberania, a começar por esta Câmara dos Representantes do Povo, das autoridades competentes e da sociedade civil, sob pena de consequências futuras eventualmente nefastas».

Para o mais alto magistrado da Nação, os 48 anos de independência e os 32 anos de democracia exigem um outro patamar de desenvolvimento espiritual. Sublinhou que, deste ponto de vista, o deficit é enorme, pelo que temos ainda de encetar um forte crescimento, como uma questão cultural e de mentalidade. «Necessitamos de outros hábitos mentais, outros costumes, não sendo, pois, apenas uma mudança na lei».

O PR mostrou-se, por outro lado, preocupado com a questão de incivilidades que se vive atualmente em Cabo Verde. «A questão de incivilidades preocupa. A destruição do património público é uma realidade que a todos envergonha. O desrespeito pelo que é comum a todos, verifica-se tanto a nível material como espiritual. As pessoas mais velhas, os professores, os vizinhos, os colegas de escola e de trabalho, os outros, afinal, nem sempre têm sido alvo do devido respeito», salientou.

Face a tudo isto, advertiu que não é por acaso que os níveis de violência e de insegurança são preocupantes, particularmente nos maiores centros urbanos. «Há muita coisa a ser revista para se resgatar aquela sociedade de sã convivência que já tivemos no passado. As práticas que corroem os alicerces da boa convivência e da sanidade da nossa sociedade devem ser eliminadas, frisou».

Administração partidarizada e cultura de transformação

Ainda na sua comunicação à nação, o Chefe de Estado considerou que a Administração Pública carece de criação de uma cultura de radical de transformação, em termos de estruturas, de processos, e de pessoas. «Uma cultura de imparcialidade e de universalidade na prestação de serviço público, extirpando as práticas de nepotismo, amiguismo e troca de favores. Pela importância da Administração Pública, as mudanças tornam-se imperativas e urgentes, se quisermos ser um país realmente desenvolvido».

Sugeriu que Cabo Verde precisa de adotar, como bens essenciais, na gestão dos recursos públicos, os princípios da «compliance, da transparência, da accountability» e da responsabilidade. «É de se evitar as tentativas de tangenciar a verdade, bem como situações passíveis de serem percebidas como corrupção. A sociedade entende melhor a comunicação que é feita com clareza e de forma objetiva e quando as afirmações não sejam desavindas da verdade», acrescentou.

Para José Maria Neves, quanto mais primarmos por uma Administração Pública assente no percurso meritocrático dos seus servidores mais estaremos a contribuir para o crescimento inclusivo de Cabo Verde. «Reforço aqui a ideia de não se arredar do propósito de ‘fazer as coisas certas, e fazer certo as coisas’, no tempo certo», reforçou.

Segundo ainda o PR, é percetível a persistência da partidarização da Administração Pública que, para além de ser muito centralizada, com todas as decisões – mesmo as mais corriqueiras – que têm que subir para o topo. «Sendo assim, torna-se premente resgatar os valores republicanos associados à cultura de excelência, ao mérito, ao altruísmo e à generosidade. Há que recuperar a cultura do trabalho e da produtividade, e o orgulho de fazer as coisas bem-feitas. O certo é a promoção de carreiras, com recrutamento mediante concurso, com as pessoas a serem promovidas com base no mérito e no desempenho. Todos devem sentir que são iguais perante a lei e na vida de todos os dias», aconselhou.

Inspeções e cultura de responsabilidade

«Do mesmo passo, seria desejável a autonomização e independência de algumas áreas sensíveis da Administração Pública, nomeadamente as das Inspeções, das Receitas do Estado, das Estatísticas e da Função Pública. «Pretende-se, por exemplo, que a finalidade das inspeções seja a de melhorar o desempenho do órgão inspecionado, com base numa cultura de responsabilidade, sem omissões e com clareza da verdade. Espera-se que este instrumento não seja usado como arma de arremesso político e que, aparentemente, não haja dois pesos e duas medidas», propôs o PR.

«Assim se defende a credibilidade e a legitimidade de relatórios produzidos, e a sua aceitação por todos, principalmente, se a sua publicação for tempestiva e não deferida no tempo. Com coerência, não se pode embasar práticas que, em circunstâncias anteriores, foram combatidas ou criticadas», referiu JMN, numa alusão indireta ao alegado escândalo na gestão dos fundos de Ambiente e Turismo recentemente tornado público.

Diante de tudo isto, José Maria Neves defendeu a cultura de responsabilização no país «Encorajamos a cultura de responsabilização. Todos nós prezamos a vida, que é o bem mais caro. Quando há perdas de vidas humanas, e nas circunstâncias que têm ocorrido ultimamente, há que investigar, buscar a verdade, sem a omitir ou sepultar. Será sempre motivo de desapontamento se ninguém for responsabilizado e tudo ficar na mesma. O destino ou o azar não podem explicar tudo», adiantou.

Populismo e democracia frágil

O PR fez questão de alertar que as instituições da República apresentam fragilidades, demandando por cuidados, e que a nossa democracia está ainda longe de ser perfeita. «Temos um longo caminho a percorrer. Principalmente quando vilipendiamos os nossos adversários e instalamos um clima de beligerância permanente, sem darmos conta que estamos a corroer as próprias instituições».
Considerou que a cultura democrática implica a necessidade de respeito pela diferença. «Entretanto, temos assistido à disputa de protagonismos, sem procura de entendimentos. Queremos ganhos políticos imediatos, e não o consenso, o diálogo e o entendimento entre os órgãos de soberania, entre Poder Central e Poder Local, entre maioria e oposição. Enfim, precisamos de democratizar um pouco mais a democracia
».

Referiu que o desgaste da democracia é global, entremeado com muito populismo e igual dose de simplismo daqueles que, desta forma, pretendem resolver problemas muito complexos. «Apesar das frustrações e de algum desencanto democrático, o caminho é revitalizá-la, renová-la, aperfeiçoá-la e defendê-la com veemência, evitando que ela se afunde. Temos que ter em conta que ao longo do tempo, muitas formas de governo já foram sucessivamente experimentadas e não se revelaram como sendo boas alternativas à democracia».

Falta de consensos e sociedade civil espremida

Conforme avançou o PR, a sociedade caboverdiana precisa de mais consensos e de entendimentos, e de mais respeito pela diferença e pela opinião contrária. Para JMN, a política não pode ser um permanente campo de batalha. «Infelizmente, nesta arena, tem havido, por vezes, falta de maturidade, falta de lealdade constitucional e falta de respeito no relacionamento político».

Fundamentou que se constata, com alguma preocupação, que a sociedade civil continua espremida entre as tenazes das forças partidárias. «A cidadania vive castrada e receosa, expressando-se de forma acanhada. O lugar de fala tem sido um reduto quase de exclusividade do poder político, que predomina de forma avassaladora nas áreas de atividade social, pública e económica».

No entender do PR, a sociedade civil é sempre portadora de uma grande energia criadora, que deve ser libertada e aproveitada, para que todos saiam beneficiados e, principalmente, o país.

Celebração de datas históricas

Entretanto, o PR terminou a sua comunicação à Nação, falando do início, neste ano, de uma série de comemorações de efemérides marcantes para a vida de Cabo Verde e de países irmãos, nomeadamente os 50 anos sobre o assassinato de Amílcar Cabral.

Já em novembro, depois de se recordar em setembro a independência da Guiné Bissau, será lembrado o centenário do nascimento da Aristides Pereira, o primeiro Presidente da República de Cabo Verde.

«Em 2024, comemoram-se os 50 anos do 25 de Abril e da Revolução dos Cravos, que pôs termo ao regime de ditadura em Portugal e apressou a independência das restantes colónias portuguesas em África. É também neste ano que celebramos o centenário de nascimento de Amílcar Cabral. E 2025 será o ano de comemoração do cinquentenário das outras independências, nomeadamente a de Angola, a de Cabo Verde, a de Moçambique e a de São Tomé e Príncipe», destacou o PR, ressaltando que são datas que ligam a história desses povos e nações. Fotos: Página da Presidência da República