A tragedia do Monte Tchota

May 18, 2016 - 11:54
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A tragedia do Monte Tchota

O desleixo do comando militar e as inúmeras negligências investigativas e clínicas para com este arguido já são tão graves que a defesa do mesmo poderá não ter muitas dificuldades em culpar a corporação militar pelo massacre



Decorridos cerca de 20 dias sobre o massacre no destacamento militar no Monte Tchota, o confesso homicida Enthony Silva continua sem uma avaliação ou acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, de acordo com as palavras do próprio responsável máximo da Região Militar responsável pelas investigações desse acto macabro cometido por um dos seus subordinados.

Escutando essas afirmações do Tenente Coronel, só nos resta, uma vez mais, perguntar: em que raio de país vivemos?

Numa situação do tipo, num país sério, a instituição militar teria acionado uma equipa de psicólogos (as), mesmo que tivessem que recorrer ao sector civil da sociedade caboverdiana, (polícia judiciária, etc.), solicitando todo o apoio necessário das instituições nacionais competentes e/ou do Governo, para proporcionar ao pressuposto homicida uma justiça condizente com as directrizes constitucionais.

Este é um caso singular e de elevada responsabilidade judicial que merece outro tratamento legal, psicológico e psiquiátrico.

Numa sociedade tão pequena como a nossa, onde os espaços são limitados e todos se conhecem a todos, muitos são os irresponsáveis que continuam exercendo cargos de responsabilidade, sem sequer terem o mínimo de capacidade para tal. Este caso já dá indicações de muitas ilegalidades judiciais e tudo indica que o grupo de juízes recentemente indigitados pelo Primeiro Ministro e promulgados pelo Presidente da República, terão muitas dificuldades em deliberar, com imparcialidade, neste caso que promete muitas despesas para a sociedade produtiva do país, devido aos inúmeros erros na condução deste processo.

Com base nestas circunstâncias, resta-nos solicitar a intervenção de alguém capaz de por ordem nesta "bagunça", antes que as coisas compliquem mais ainda para essas nossas forças armadas.

Tratando-se claramente de um caso de saúde psicológica de um cidadão, durante o seu desempenho no cargo de militar, ao serviço da defesa nacional, a assistência psicológica devia ter sido a prioridade do comando militar, logo após a captura do suposto homicida que, quer queiramos, quer não, continua sendo inocente até ser condenado pelo sistema judicial nacional (militar ou civil). As palavras iniciais do soldado Enthony poderão e devem ser legalmente retiradas pelo grupo de juízes, atribuindo ao arguido o seu direito constitucional de defesa até ser comprovada a sua culpa total ou parcial.

O sistema judicial militar está sendo posto à prova e, pelo que estamos a assistir, o mesmo está de mal a pior. Qualquer sistema judicial é exigente e requerente e não pode ser gerido de qualquer forma. Não devemos esquecer que apesar de o mesmo ter confessado o crime, "todo o cidadão é inocente enquanto não for condenado".

Como já tivemos a oportunidade de, aqui neste jornal [ver aqui], realçar, o soldado, além de já ter demonstrado ser vítima de algum desequilíbrio mental, esteve e continua sem tratamento adequado e constitucionalmente obrigatório, o que põe em causa a capacidade da justiça militar em julgar este soldado doente.

Mesmo sem ter tido a oportunidade de falar directamente com o preso, ficarei surpreso se o mesmo não estiver a sofrer de crises de alucinações e/ou delírio mental. As imagens do acto bárbaro do assassinato dos colegas militares e civis, supostamente causado pelo próprio homicida, devem estar a destruir a capacidade mental do arguido que brevemente poderá vir a ser incapaz de enfrentar um julgamento, por incapacidade mental.

Além disso tudo, o desleixo do comando militar e as inúmeras negligências investigativas e clínicas para com este arguido já são tão graves que a defesa do mesmo poderá não ter muitas dificuldades em culpar a corporação militar pelo massacre.

Desde que a lei seja respeitada na íntegra, estes desleixos todos, e se forem capazes de comprovar o tão badalado "bullying militar", serão argumentos convincentes e destruidoras para o caso da procuradoria militar que terá muitas dificuldades em convencer os juízes que o Enthony cometeu esse crime por vingança pessoal e que nenhum outro factor influenciou esse acto macabro do soldado, incluindo assistência de outrem.

Convém não esquecer que as testemunhas contam, e tudo indica que o Enthony já havia comunicado aos familiares e amigos o problema do “bullying militar”, o qual já foi publicamente confirmado por ex-militares (ver imagens-vídeo no Facebook), no qual um ex-militar apresenta dados comprovativos do bullying e outros desmandos dos comandos castrenses.

Enquanto isso, estamos convictos de que os advogados dos familiares das vitimas já estarão a montar as suas estratégias e, como é óbvio, esta falta de respeito e desleixo do comando militar será explorada, perante o juiz ou grupo de juízes, no sentido de culpabilizar e responsabilizar os serviços militares pela morte dos 8 militares e 3 civis, o que acabará por ser mais um grandioso buraco nos sacrificados cofres do Estado de Cabo Verde.

Quanto á defesa do arguido, resta saber se o (a) advogado (a) e a sua equipa de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais terão tempo suficiente para se familiarizarem com o arguido, no sentido de iniciarem um trabalho de recuperação, enquanto recolhem dados de análise, estudos e defesa judicial.

Já as palavras proferidas recentemente pelo tenente-coronel Carlos Monteiro, são mais algumas peças que, sendo bem exploradas pela defesa, poderão abrir outros precedentes nas acusações da procuradoria militar e criar mais vazios nas conclusões investigativas que, pelos vistos, estão longe de ser convincentes, para qualquer grupo de juízes que aplicam a lei como ela está escrita e com base exclusiva nos argumentos apresentados por ambos os lados, durante o julgamento que promete ser bem animado.

Enquanto isso, convém discutir, pensar, reavaliar e tomar providências dentro da corporação sobre a saúde psicológica dos militares que porventura tenham passado pelos mesmos ou similares abusos psicológicos derivados do “bullying existente no seio das corporações militares nacionais.

Estamos convictos de que existem fortes possibilidade de o suposto assassino ter sofrido de alguma perturbação mental instantânea, influenciado pelo anglicismo do sistema militar e da ainda semidesenvolvida sociedade cabo-verdiana.

As nossas investigações levam-nos a acreditar que o jovem soldado, sendo considerado uma pessoa humilde, tímida e respeitadora, foi uma vítima da falta de seriedade e profissionalismo militar nos comandos por onde passou, com excepção do Morro Branco que ele considera um local por onde qualquer jovem deve passar, para aprender a ser homem.

A falta de sensibilidade nacional pelos efeitos sociais do anglicismo leva-nos a fazer mais uma chamada de atenção para a necessidade de seriedade institucional e social nos inúmeros casos do bullying, começando pelas escolas primárias, atacando o mal pela raiz.

Chegou a hora de as instituições nacionais passarem a ter em conta os efeitos colaterais do bullying e criar, de imediato, condições internas para atacar esses bárbaros atos, de forma a evitar o que aconteceu em Monte Tchota, e que não volte a acontecer em nenhuma instituição, mesmo no seio das corporações com acesso fácil a armas de fogo, etc…, etc...

Carlos Fortes Lopes | carlosforteslopes4@gmail.com