A velha questão da ligação marítima para a Ilha Brava, uma luta que persiste ao longo dos séculos
Cidade de Nova Sintra, 28 de Fevereiro de 2025 (Bravanews) - A Ilha Brava, um dos pontos mais remotos do arquipélago de Cabo Verde, tem sido uma das maiores vítimas do isolamento geográfico que, ao longo dos séculos, tem imposto desafios imensos à sua população. Desde o período colonial até os dias atuais, a falta de uma ligação marítima regular tem sido uma dor crônica para os bravenses. O sofrimento da população, que historicamente depende de barcos para acessar o resto do país, chegou a ser aliviado em algumas ocasiões, mas parece que nunca se encontra uma solução definitiva para o problema. A actual situação remonta aos anos 1960, quando a ligação para a ilha era, no máximo, semanal e dependia de condições meteorológicas favoráveis – um cenário que se repete hoje, após uma década de expectativas frustradas.
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Em 2011, surgiu um vislumbre de esperança para a ilha, com o lançamento do projeto Fast Ferry, que prometia revolucionar o transporte marítimo entre a Ilha Brava, ilha do Fogo e a Cidade da Praia. Esse projeto foi a luz ao fundo do túnel para muitos, visto como a chave para resolver um problema secular que afectava diretamente a qualidade de vida dos bravenses. No entanto, quase 15 anos depois, o que deveria ser uma solução inovadora se transformou em mais um capítulo de frustração. O sonho do Fast Ferry virou pesadelo. A situação atual se assemelha mais ao passado distante, com as ligações marítimas limitadas e, em muitos casos, inexistentes, remetendo os bravenses ao cenário de décadas passadas, onde as viagens para fora da ilha eram quase uma raridade.
Na década de 1990, a Ilha Brava teve breves momentos de alívio. O aeródromo de Esparadinha, que havia sido criado com a promessa de melhorar a acessibilidade aérea, permitiu que os bravenses pudessem viajar de avião para a Cidade da Praia, ainda que as frequências e a qualidade do serviço aéreo fossem limitadas. Além disso, o funcionamento do Ferryboat Furna, dos navios Sotavento e Barlavento e a introdução do Praia d'Aguada abriram um novo capítulo na história das ligações da ilha, trazendo mais uma solução temporária para um problema que parecia insustentável. No entanto, as boas intenções dos anos passados não conseguiram garantir estabilidade no transporte, e, hoje, a ilha volta a sofrer com a falta de uma conexão regular e eficiente.
A principal justificativa para esse retrocesso, que parece paradoxal, é a segurança marítima, alegando que o mar agitado torna a navegação perigosa. Essa explicação, já dada e rebatida inúmeras vezes ao longo dos anos, é vista com ceticismo pela população. Afinal, o mar agitado sempre foi uma característica natural da região, como o tem sido por séculos. Os bravenses sabem que as intempéries e as condições adversas do mar não são novidade para ninguém, sendo um fator presente no quotidiano da ilha desde tempos imemoriais. Portanto, a grande questão é, será que a segurança no mar é realmente o único fator que impede a criação de uma ligação marítima constante e segura?
A situação da Ilha Brava se agrava ainda mais quando consideramos o impacto das condições marítimas nas ilhas vizinhas. Quando o mar está agitado na Ilha do Fogo – que está geograficamente próxima da Brava – os bravenses são os primeiros a sofrer as consequências. As rotas marítimas entre a Ilha Brava e outras partes do arquipélago, principalmente para a Cidade da Praia, ficam ainda mais comprometidas, afetando diretamente o transporte de pessoas e mercadorias. O isolamento torna-se então uma prisão mais apertada, e a população sente ainda mais a falta de acesso a serviços essenciais, como saúde, educação e comércio.
Mais grave ainda é quando, em situações de alta demanda, os navios de passageiros são desviados para outras ilhas mais rentáveis, como Santiago e São Vicente, em vez de atender à Brava. Essas ilhas, com maior fluxo de turistas e mercadorias, são priorizadas, o que significa que, em momentos de pico, os bravenses se veem mais uma vez à margem, sem alternativas viáveis de transporte. Mesmo quando há a necessidade urgente de um navio para atender a Brava, ele muitas vezes é desviado para outras ilhas, em detrimento das necessidades locais.
Este ciclo vicioso perpetua o sofrimento da população bravense, que, ao ser constantemente ignorada em favor de outras rotas mais lucrativas, vê suas necessidades básicas constantemente negligenciadas. Essa priorização de demandas mais rentáveis contribui ainda mais para o estigma de que a Ilha Brava é tratada como uma ilha de segunda classe, onde as condições de vida continuam a ser desafiadoras devido ao seu isolamento.
Muitos questionam se, na era moderna, não seria possível recorrer a embarcações mais avançadas, tecnologicamente adaptadas para enfrentar as condições do mar agitado e garantir a segurança dos passageiros. O mundo está em constante evolução, e a tecnologia tem permitido a construção de barcos e ferries cada vez mais sofisticados, capazes de navegar com segurança em águas turbulentas, independentemente das condições meteorológicas. Por que, então, a Ilha Brava continua sendo tratada como uma excepção à regra, sujeita a soluções ultrapassadas e ineficazes?
Não só em termos de tecnologia, mas também de visão política, é fundamental que se compreenda que a questão da ligação marítima da Ilha Brava não é apenas um problema logístico, mas uma questão de justiça social. Enquanto outras ilhas do arquipélago desfrutam de ligações rápidas e frequentes, marítimas e aéreas, a população bravense é forçada a viver na incerteza, com a constante frustração de promessas que nunca se concretizam. O que está em jogo não é apenas a melhoria da mobilidade, mas a dignidade de um povo que, há séculos, luta por seu direito à conectividade e ao desenvolvimento.
Portanto, a pergunta persiste: por que continuar a sacrificar uma população inteira por questões que, com os avanços tecnológicos disponíveis hoje, poderiam ser resolvidas? Não é hora de dar uma resposta definitiva à Ilha Brava? Os bravos bravenses, que enfrentam o mar agitado há tanto tempo, merecem, mais do que nunca, uma solução que permita que possam viver com o mesmo nível de acessibilidade e dignidade que as demais ilhas do arquipélago, até porque a ilha só depende do transporte marítimo.