ANA MARIA CABRAL RECORDA ASSASSINATO DE AMÍLCAR CABRAL HÁ 50 ANOS

Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri a 20 de Janeiro de 1973, baleado por dois membros do seu partido, o PAIGC. Ana Maria Cabral, a viúva do pai das independências da Guiné e Cabo Verde, assistiu ao assassinato e respondeu a algumas perguntas na RFi:

Jan 20, 2023 - 18:40
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ANA MARIA CABRAL RECORDA ASSASSINATO DE AMÍLCAR CABRAL HÁ 50 ANOS

Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri a 20 de Janeiro de 1973, baleado por dois membros do seu partido, o PAIGC. Ana Maria Cabral, a viúva do pai das independências da Guiné e Cabo Verde, assistiu ao assassinato e respondeu a algumas perguntas na RFi:

-Lembra-se do que é que Amílcar Cabral fez ao longo desse dia?

"Havia uma recepção, se a memória não me falha, parece-me que era na embaixada da Polónia e fomos lá.

Ele não era muito de recepções, mas excepcionalmente ele disse: “A Polónia, quase que não recebemos ajuda nenhuma da Polónia e vamos lá para lembrar-lhes que nós também precisamos da solidariedade deles” e, portanto, fomos.

Vi que ele nunca mais queria sair, dizia que tinha o pressentimento de que era o último dia da vida dele e, então, falava, falava... falava com todos embaixadores, com todos os diplomatas... fiquei até admirada porque é que ele não queria sair.

Só mais tarde é que me apercebi, porque quando chegamos a casa já estava toda cercada pelos traidores."

-É verdade que a senhora tinha pensado, de facto, por segurança, em levar uma pistola quando foi essa recepção à embaixada?

"É verdade, é verdade."

-Amílcar Cabral não permitiu que levassem essa pistola?

"Não, não, não permitiu. Eu apercebi-me que algo se passava, não sabia o quê porque não tinha informações, mas ele não deixou e nem quis guarda nenhum.

Nós fomos só os dois sozinhos, sem guarda, sem nada, sem pistola, sem nenhuma segurança.

Quando regressamos a casa, vivíamos ali no secretariado, uma parte da casa era residência, outra parte era secretariado do PAIGC na altura. Então, a casa estava toda cercada e logo quando saímos do carro e eles vieram tentar amarrar o Cabral.

Depois soubemos que tinham chegado a acordo com o Spínola e o acordo era entregar os principais dirigentes do PAIGC da altura para que o Spínola discutisse com eles uma espécie de autodeterminação da Guiné-Bissau sob a bandeira de Portugal colonialista."

-O que é que viram?

"Descemos do carro, eles tentaram amarrar o Cabral.

O Cabral disse não, não me amarrem. Nós estamos a lutar para acabar com essas faltas de respeito de amarrar as pessoas. Se há problemas, vamos sentar-nos e assim, no secretariado, vamos discutir os problemas que há.

Então, ele disse: “eu prefiro morrer”. Nunca mais me esqueci disso: “eu prefiro morrer a ser amarrado”. Então o Inocêncio Cani disparou logo à queima-roupa sobre o baixo-ventre.

[Amílcar Cabral] dobrou-se cheio de dores e eles pensavam que já o tinham morto e caiu, portanto caiu no chão."

-Amílcar Cabral recebeu um primeiro disparo do revólver de Inocêncio Cani e depois, efectivamente, uma série de disparos de kalashnikov, não é?

"É verdade sim. O Inocêncio Cani conseguiu dominar Aristides Pereira, o conselheiro mais próximo de Cabral, na altura.

O Cabral continuava deitado no chão, com camisa toda cheia de sangue, e ele disse: “Ainda estás a falar?” e diz a um qualquer que era para liquidá-lo de vez. E foi assim."

-Faleceu logo na hora?

"Não. Ainda ficou a falar. Ainda ficou a chamar por mim…. Foi uma coisa horrorosa."

-Todos eles estavam com o rosto descoberto?

"Sim, com o rosto descoberto."

-Eram, de facto, todos eles militantes activos do PAIGC em Conacri?

"Sim, gente que tinha tido problemas com a direcção do partido, problemas de disciplina. Para eles a luta já estava a durar há muito tempo, se calhar.

Foram facilmente mobilizados, para esse grande esquema, esse grande complot que foi urdido por Portugal colonialista."

-A senhora fala de Spínola, portanto não tem sombra de dúvida que por detrás do assassínio de Cabral estava Portugal?

"Sim, sim. Estava Portugal e estava o Spínola, de certeza absoluta."

-A tese de que haveria descontentamento no seio do PAIGC não a convence?

"Não, não. Não me convence. Isto foi mesmo um golpe bem preparado e muito bem estudado.

O PAIGC ultimamente estava a receber inúmeros de fugitivos que vinham da Guiné-Bissau, da Guiné colonial, gente já preparada para vir fazer o golpe.

O Spínola preparou-os aqui em Cabo Verde, no campo do Tarrafal, e mandou para lá como desertores. Tudo falácias."