BRUTALIDADE JURÍDICA OU PURA IGNORÂNCIA?

Todas as pessoas da ilha da Boa Vista que têm uma casa na orla marítima, algumas construídas há mais de 100 anos, estão a ser confrontadas com a impossibilidade de transaccionarem as suas casas, com o argumento de que se trata de imóveis dentro da orla marítima.

Sep 15, 2018 - 12:05
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BRUTALIDADE JURÍDICA OU PURA IGNORÂNCIA?

Todas as pessoas da ilha da Boa Vista que têm uma casa na orla marítima, algumas construídas há mais de 100 anos, estão a ser confrontadas com a impossibilidade de transaccionarem as suas casas, com o argumento de que se trata de imóveis dentro da orla marítima. 
Não sei donde veio esta ordem, mas, para mim, trata-se de pura ignorância ignorância ou de mais uma brutalidade jurídica para prejudicar os cidadãos. Na verdade, quanto seja do meu conhecimento, nenhuma norma legal cria este obstáculo e ainda que ela existisse seria pura e simplesmente inconstitucional, por violação do direito à propriedade que envolve direitos menores de usar, fruir e dispor (jus utendi, fruendi e abutendi). 
De tempo a tempos por mera instrução administrativa aparecem alguns a dar ordens ilegais que privam ou limitam os cidadãos nos seus direitos. No passado por mera instrução administrativa muitos cidadãos não conseguiram legalizar suas propriedades porque pura e simplesmente foram suspensas as justificações notariais! Puro abuso de autoridade destinado a privar os cidadãos dos seus direitos. A lei prevê que quem tem uma propriedade e não tenha um título tem o direito de recorrer aos notários ou aos tribunais para suprir a falta de título. O Estado recorre a esta prerrogativa todos os dias - basta consultar os jornais - porque nem o Estado registou as suas propriedades, mormente os particulares, especialmente os pobres! Mas o Estado facilita a sua vida fazendo-o administrativamente e por meios próprios, mas dificulta a vida dos cidadãos criando obstáculos ilegais para regularizarem as suas propriedades possuídas há largos anos. 
Hoje parece que este obstáculo se encontra ultrapassado. Agora aparece outro: quem tem imóveis na orla marítima não pode transaccionar o seu imóvel! 
Com base em que lei? - pergunto eu! 
Estão a querer dizer que o Estado permite a construção na orla marítima, permite durante largos anos a transacção de imóveis na orla marítima; recebe impostos todos os anos pelas construções e transacções de imóveis na orla marítima; permite às pessoas actuarem como proprietárias de terrenos e casas na orla marítima durante anos sucessivos, durante gerações sucessivas... e agora vem invocar que o terreno é do domínio público e não pode ser transaccionado? 
Isso só pode ser brincadeira! E revela grave falta de conhecimento do estatuto da orla marítima em Cabo Verde.

A questão é complexa e aqui não é lugar próprio para dissecar completamente o assunto. Olhemos apenas para a cidade da Praia e vejamos quantas propriedades se encontram dentro da orla marítima. Porém, uma coisa é certa: se a propriedade na orla marítima contiver alguma limitação juridicamente válida, quem adquire a propriedade adquire-a com todas as limitações inerentes! Ou seja, tudo quanto onera o actual proprietário vendedor passa a onerar o futuro proprietário comprador e a mesma protecção que tem hoje o domínio público perante o actual proprietário mantém-se perante os proprietários futuros. Portanto, salvo o devido respeito ou é ignorância ou é má-fé não permitir que os proprietários actuais realizem a transacção da suas propriedades.

Aproveito para informar que não sou advogado de nenhuma dessas pessoas constrangidas nos seus direitos. Este manifesto decorre apenas do facto de que não podemos continuar a criar entraves desnecessários aos cidadãos na realização dos seus interesses. Daí a chamada de atenção para quem de direito.