BRUTALIDADE JURÍDICA OU PURA IGNORÂNCIA?
Todas as pessoas da ilha da Boa Vista que têm uma casa na orla marítima, algumas construídas há mais de 100 anos, estão a ser confrontadas com a impossibilidade de transaccionarem as suas casas, com o argumento de que se trata de imóveis dentro da orla marítima.
Todas as pessoas da ilha da Boa Vista que têm uma casa na orla marítima, algumas construídas há mais de 100 anos, estão a ser confrontadas com a impossibilidade de transaccionarem as suas casas, com o argumento de que se trata de imóveis dentro da orla marítima.
Não sei donde veio esta ordem, mas, para mim, trata-se de pura ignorância ignorância ou de mais uma brutalidade jurídica para prejudicar os cidadãos. Na verdade, quanto seja do meu conhecimento, nenhuma norma legal cria este obstáculo e ainda que ela existisse seria pura e simplesmente inconstitucional, por violação do direito à propriedade que envolve direitos menores de usar, fruir e dispor (jus utendi, fruendi e abutendi).
De tempo a tempos por mera instrução administrativa aparecem alguns a dar ordens ilegais que privam ou limitam os cidadãos nos seus direitos. No passado por mera instrução administrativa muitos cidadãos não conseguiram legalizar suas propriedades porque pura e simplesmente foram suspensas as justificações notariais! Puro abuso de autoridade destinado a privar os cidadãos dos seus direitos. A lei prevê que quem tem uma propriedade e não tenha um título tem o direito de recorrer aos notários ou aos tribunais para suprir a falta de título. O Estado recorre a esta prerrogativa todos os dias - basta consultar os jornais - porque nem o Estado registou as suas propriedades, mormente os particulares, especialmente os pobres! Mas o Estado facilita a sua vida fazendo-o administrativamente e por meios próprios, mas dificulta a vida dos cidadãos criando obstáculos ilegais para regularizarem as suas propriedades possuídas há largos anos.
Hoje parece que este obstáculo se encontra ultrapassado. Agora aparece outro: quem tem imóveis na orla marítima não pode transaccionar o seu imóvel!
Com base em que lei? - pergunto eu!
Estão a querer dizer que o Estado permite a construção na orla marítima, permite durante largos anos a transacção de imóveis na orla marítima; recebe impostos todos os anos pelas construções e transacções de imóveis na orla marítima; permite às pessoas actuarem como proprietárias de terrenos e casas na orla marítima durante anos sucessivos, durante gerações sucessivas... e agora vem invocar que o terreno é do domínio público e não pode ser transaccionado?
Isso só pode ser brincadeira! E revela grave falta de conhecimento do estatuto da orla marítima em Cabo Verde.
A questão é complexa e aqui não é lugar próprio para dissecar completamente o assunto. Olhemos apenas para a cidade da Praia e vejamos quantas propriedades se encontram dentro da orla marítima. Porém, uma coisa é certa: se a propriedade na orla marítima contiver alguma limitação juridicamente válida, quem adquire a propriedade adquire-a com todas as limitações inerentes! Ou seja, tudo quanto onera o actual proprietário vendedor passa a onerar o futuro proprietário comprador e a mesma protecção que tem hoje o domínio público perante o actual proprietário mantém-se perante os proprietários futuros. Portanto, salvo o devido respeito ou é ignorância ou é má-fé não permitir que os proprietários actuais realizem a transacção da suas propriedades.
Aproveito para informar que não sou advogado de nenhuma dessas pessoas constrangidas nos seus direitos. Este manifesto decorre apenas do facto de que não podemos continuar a criar entraves desnecessários aos cidadãos na realização dos seus interesses. Daí a chamada de atenção para quem de direito.