Caso de acordo Sofa assinado com os EUA: Governo emite esclarecimentos às contestações públicas
O Governo de Cabo Verde emitiu, esta terça-feira, 10,um comunicado de “esclarecimento” sobre o polémico acordo SOFA de defesa e segurança assinado com os Estados Unidos da América. O caso tem provocado celeuma, com o maior partido da oposição e juristas, com destaque para o pai da constituição Wladmir Brito, a considerarem de ilegal algumas cláusulas do acordo em causa, principalmente as que não permitem as autoridades judiciarias e policiais cabo-verdianas de ter um saldado norte-americano no pais, mesmo cometendo crimes graves contra nacionais e titulares de órgãos da soberania.
O Governo de Cabo Verde emitiu, esta terça-feira, 10,um comunicado de “esclarecimento” sobre o polémico acordo SOFA de defesa e segurança assinado com os Estados Unidos da América. O caso tem provocado celeuma, com o maior partido da oposição e juristas, com destaque para o pai da constituição Wladmir Brito, a considerarem de ilegal algumas cláusulas do acordo em causa, principalmente as que não permitem as autoridades judiciarias e policiais cabo-verdianas de ter um saldado norte-americano no pais, mesmo cometendo crimes graves contra nacionais e titulares de órgãos da soberania.
Mas o governo de Ulisses Correia e Silva tem uma leitura diferente. Segundo fundamentou em nota de imprensa remetido a este jornal, “tem-se construído em alguns órgãos de comunicação social a ideia de que Cabo Verde cedeu a todas as exigências dos EUA na negociação com o SOFA, afirmação que não corresponde à realidade quanto a vários aspectos importantes, e que dá uma ideia enviesada da questão”. Perante a inquilinato dos cabo-verdianos face ao acordo em causa,
o Asemenaonline achou ser de interesse para os seus leitores publicar, a seguir, o comunicado de sete pontos do Governo sobre o citado acordo com os EUA.
Privando pela transparência, o Governo esclarece o seguinte:
1. Quando traz à baila o Acordo dos EUA com o Senegal, para concluir que nesse país, ao contrário do que resulta do SOFA aprovado pela Assembleia Nacional de Cabo Verde, os soldados americanos estarão sujeitos à jurisdição penal senegalesa, tal asserção não corresponde à realidade.
O art. 3 do Acordo do Senegal, de 2016, estabelece “privileges, exemptions and immunities equivalent to those accorded to the administrative and technical staff of a diplomatic mission under the Vienna Convention on Diplomatic Relations of April 18, 1961”, como faz o nº 1 do art. III do SOFA aprovado pela Assembleia Nacional e como fazem, com maiores ou menores cambiantes, todos os SOFA’s.
A Convenção estabelece que
• “A pessoa do agente diplomático é inviolável e não pode ser objeto de qualquer forma de detenção ou prisão” - artigo 29º; • “O agente goza de imunidade de jurisdição penal no Estado acreditador” - artigo. 31º/1; mas o “Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37º” - artigo 32º;
• “Os membros do pessoal administrativo e técnico da missão, (…) gozarão dos
privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29º a 35º (…) – artigo 37º/2 Quer dizer que o regime do pessoal administrativo e técnico de uma missão diplomática inclui a imunidade de jurisdição penal e, portanto, à luz do Acordo os soldados americanos não são julgados nos tribunais senegaleses.
Norma idêntica encontra-se no Acordo celebrado por Cabo Verde com a Espanha,
aprovado pela Resolução 76/VII/2008, de 14/07.
No caso do SOFA de Cabo Verde o nº 2 do art. III nada acrescenta de substancial
ao nº 1, que pela remissão à Convenção de Viena já inclui a imunidade de jurisdição penal. Ele é apenas explicativo e justificativo da opção por essa imunidade, utilizando uma linguagem usada noutros SOFA, como, por exemplo,
no celebrado com a Polonia, assinado a 01.12.2009.
2. Do mesmo modo, em todos os SOFA’s, incluindo o do Senegal, há uma norma correspondente ao art. XII 1 do SOFA de Cabo Verde, em que os Estados renunciam
entre si a demandas Estado a Estado quanto às perdas e danos de bens de 2 propriedade pública de cada um e quanto às lesões ou falecimento de servidores públicos, militares ou civis de cada um, em missão.
Norma idêntica encontra-se igualmente no Acordo celebrado com Espanha e aprovado pela Resolução 76/VII/2008, de 14/07. Essa é uma pratica internacional perfeitamente legitima e justificada, tanto mais que se trata de presença de pessoal estrangeiro com o acordo e muitas vezes a pedido
do país que os acolhe.
Aliás, no caso de Cabo Verde a legislação militar e administrativa interna já prevê a assunção pelo Estado de Cabo Verde da compensação por lesões físicas ou morte dos seus servidores públicos em serviço, qualquer que ele seja.
3. Também não é verdade que – contrariamente a outros casos em que as contrapartes “impõem” mudanças à parte americana - o texto se manteve o mesmo desde o inicio das negociações.
Primeiro, basta ver os outros SOFA para concluir que são basicamente iguais e correspondem a um padrão comum de todos os países que são chamados a projetar as suas tropas para países estrangeiros com o acordo destes Segundo, o SOFA CV levou 8 anos a negociar arduamente e as negociações entraram em impasse quanto a 3 pontos: a imunidade de jurisdição penal; a pena de morte como barreira à “extradição” dos militares americanos para os EUA; e as reclamações de terceiros.
O debate reiniciou-se em 2017, tendo o atual Governo conseguido:
• Temperar a imunidade de jurisdição com os nºs 3 a 5 do art. III, partindo do princípio de que, para punir o crime eventualmente cometido pelo militar americano os tribunais americanos garantem com a sua efetividade, eficácia e independência, um julgamento e sanção justos, importante sendo que a parte cabo-verdiana possa seguir as investigações e mesmo participar nelas, estar representado no julgamento, assegurar que testemunhas caboverdianas estejam presentes (como o CJMilitar americano permite) e facilitar que o lesado ou seus familiares estejam presentes com o Estado de Cabo Verde por detrás, envolvido na defesa dos seus cidadãos terceiros;
• Afastar a questão da extradição porque conceitualmente não há extradição nesse caso: ela “só pode ser usada se o crime extraditável tiver sido cometido no território do Estado requerente e não noutra circunstância”.
Por “crime cometido no estrangeiro” é “completamente claro que o procedimento de extradição não é o próprio” para o propósito de o país de nacionalidade o punir; e • Adaptar o art. XII/2, vinculando-o (como nos nºs 3 a 5 do art. III) a leis americanas claramente definidas e que são reconhecidamente boas em matéria de compensações para os interesses das partes cabo-verdianas afetadas.
4. Nas relações diplomáticas, entre Estados soberanos e iguais, cada Estado cede sempre uma parcela da sua soberania, em nome de um interesse comum superior.
Por isso e à luz da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, por todos aceite na comunidade internacional, cada Estado confere privilégios, imunidades, isenções e facilidades, no seu território, aos demais Estados com quem se relaciona.
Designadamente, o Estado estrangeiro, como tal, beneficia de imunidade de jurisdição, significando que não se submete, como regra, à jurisdição do Estado onde se faz representar.
E essa imunidade estende-se aos seus bens situados no outro Estado e ao pessoal que o representa neste (diplomatas, pessoal administrativo e técnico da missão diplomática, seus familiares e respetivos empregados domésticos).
Trata-se de respeitar a soberania e igualdade dos Estados. Por maioria de razão deve abranger pessoal militar e de segurança, membros de corpos especiais que são símbolos vivos da soberania de qualquer Estado.
Já abrange pessoal militar e de segurança incluído na missão diplomática (os adidos, considerados pessoal técnico) mas por igualdade ou até maioria de razão deve abranger os integrantes de missões militares presentes no território de outro Estado a pedido ou com o acordo deste, no quadro das relações de segurança cooperativa que hoje são parte integrante, muitas vezes principal, das relações diplomáticas entre Estados.
Por isso é natural que a generalidade, para não dizer a totalidade dos acordos sobre o estatuto de forças armadas de um país deslocadas para outro remeta sistematicamente para a referida Convenção e para a proteção que confere ao pessoal administrativo e técnico de uma missão diplomática.
Cabo Verde não equaciona enviar militares cabo-verdianos em missão operacional para os EUA, que disso não precisam. Apenas prevê e deseja que lá possam fazer a sua formação e treino. Mas também quer, e deve muito querer, que militares americanos apoiem Cabo Verde operacionalmente no combate aos tráficos de droga, de armas e de pessoas, à pirataria marítima nas nossas águas e face às ameaças do terrorismo extremista que se agrava na nossa sub-região. Perigos esses já presentes ou latentes, aos quais é manifestamente impossível Cabo Verde fazer face sozinho, desintegrado de alianças com parceiros confiáveis melhor habilitados, o mais natural dos quais, pelo seu poder e preparação e por albergar a maior parcela da Nação cabo-verdiana, são os EUA.
Por isso não se justifica criticar o carater “unilateral” do SOFA aprovado. Seria artificial e vazio de conteúdo conferir-lhe bilateralidade. Ademais, a reciprocidade, sendo um princípio geral do direito internacional, pode sempre ser invocada
5. O Governo de Cabo Verde afirma convictamente que não encontra qualquer inconstitucionalidade nos dispositivos do SOFA, por violação dos princípios de soberania, igualdade ou proporcionalidade. Se inconstitucionalidade houvesse, também seriam inconstitucionais a Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas a que Cabo Verde aderiu desde a Independência, o Acordo com a Espanha aprovado pela Resolução 76/VII/2008, de 14/97 e, bem assim, o artigo 3º do Código Penal e o artigo 28º do Código de Processo Penal, que permitem afastar a aplicação da lei penal cabo-verdiana e da jurisdição penal nacional mediante convenção internacional, sem qualquer condicionamento ou limitação.
A inconstitucionalidade de tais instrumentos legais nunca foi questionada! E bem!
6. O Governo considera o SOFA aprovado um instrumento de interesse estratégico para a segurança nacional e o desenvolvimento de Cabo Verde, com vantagens enormes para o país na sua missão e obrigação de garantir a defesa e a segurança dos que vivem nas ilhas e dos que as visitam e no aprofundamento das relações de Cabo Verde com os EUA e com a comunidade cabo-verdiana ali radicada, com reflexos positivos na economia nacional (crescimento e geração de emprego).
7. Uma última precisão de facto: o SOFA não foi assinado pelo Primeiro Ministro: quem o assinou foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros, por ocasião do Diálogo Político entre os dois países ocorrido em Setembro de 2017, em ato a que assistiu o Primeiro-Ministro.