Curiosidades do nosso mundo: Se um político sueco é apanhado a andar de táxi vira manchete de jornal

A jornalista Cláudia Wallin vive na Suécia desde 2003 e escreveu um livro sobre uma cultura política em que a transparência é tal que a corrupção (quase) se limita à compra de chocolates e amendoins.

Dec 24, 2017 - 19:27
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Curiosidades do nosso mundo: Se um político sueco é apanhado a andar de táxi vira manchete de jornal

A jornalista Cláudia Wallin vive na Suécia desde 2003 e escreveu um livro sobre uma cultura política em que a transparência é tal que a corrupção (quase) se limita à compra de chocolates e amendoins.

Os deputados andam de transportes públicos, dormem em apartamentos de serviço de 18 metros quadrados quando precisam de ir à capital e lavam a roupa no parlamento. E o primeiro-ministro lava e passa a sua roupa e trata das limpezas domésticas nos intervalos da governação. É esta a vida dos políticos na Suécia, país onde o último grande escândalo político está relacionado com a compra de duas viagens de comboio e um pacote de amendoins por um deputado, e onde uma vice primeira-ministra já perdeu o cargo por ter comprado um chocolate com um cartão de crédito do governo.

Tudo começa nas escolas, onde rapazes e raparigas aprendem a cozinhar, a costurar e a lavar roupa, mas também a argumentar e a ter opiniões, garante a jornalista brasileira Cláudia Wallin, que vive na Suécia desde 2003 e escreveu o livro Um país sem excelências e mordomias, onde relata o resultado das suas reportagens e entrevistas com dezenas de políticos suecos.

Cláudia Wallin mudou-se para Estocolmo em 2003, depois de uma década a viver em Londres, onde trabalhou na BBC, liderou a delegação europeia da TV Globo e dirigiu o ramo televisivo do International Herald Tribune (antecessor da edição internacional do New York Times). Foi em Londres que conheceu Ulf, o sueco com quem viria a casar e a mudar-se para o país nórdico. Quando aterrou, ficou surpreendida com a cultura política que encontrou: os políticos não recebem luxos e nem um táxi podem apanhar sem serem manchete de jornal — o parlamento dá-lhes um passe para os transportes públicos e espera-se que o usem para irem trabalhar.

Quando encontrou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Carl Bildt, a comprar tomate no supermercado que frequentava, a jornalista decidiu começar a escrever sobre a cultura política sueca — “diametralmente oposta” à do Brasil, onde os deputados usam “jato privado, nem sequer é táxi”, e onde a corrupção chega a níveis inimagináveis para um sueco. Inicialmente, pensou escrever uma reportagem para a BBC, com a qual ainda colaborava na secção brasileira, mas achou que se se limitasse a escrever ninguém ia acreditar. Então, realizou uma série de reportagens para a estação brasileira TV Bandeirantes, nas quais mostrou aos brasileiros que existe uma “sociedade socialmente justa que não dá regalias a políticos nem a juízes e onde a corrupção é um fenómeno relativamente raro”.

Depois das reportagens, Cláudia Wallin escreveu o livro Um país sem excelências e mordomias, publicado no Brasil em 2014 e que acaba de ser lançado em ebook na Amazon. No Brasil, o livro de Cláudia Wallin inspirou o surgimento de inúmeros movimentos de contestação política e de luta contra a corrupção, que ainda hoje usam a obra como bandeira de uma “sociedade possível”.

Em entrevista ao Observador, Cláudia Wallin conta como foi o processo de investigação para o livro, recorda as entrevistas com dezenas de políticos suecos — incluindo o primeiro-ministro, que lhe falou das suas rotinas de limpeza de casa — e as visitas aos apartamentos onde residem os deputados. “Os suecos não são melhores do que ninguém”, diz a jornalista, garantindo que o seu objetivo com o livro foi mostrar que “o que os suecos fizeram foi transformar a sua própria história através do aprimoramento das suas instituições”. A par da educação e da igualdade social, a transparência (a Suécia tem a lei da transparência mais antiga do mundo) é fundamental para reduzir a corrupção a níveis residuais.

A Cláudia mudou-se definitivamente para Estocolmo em 2003, depois de ter passado dez anos em Londres a trabalhar na BBC e a chefiar a TV Globo na Europa. O que a fez ir para a Suécia?
Eu trabalhava, na época, na televisão da International Herald Tribune, e o meu marido era o chairman de um fundo de investimentos em media que era acionista da empresa onde eu trabalhava, a Herald Tribune. Conhecemo-nos numa mesa de board meeting e em seguida tomámos a decisão de nos casar. Foi aí que me mudei para Estocolmo, na Suécia, em 2003. E a história do livro começa muito aí, porque uma das primeiras surpresas que tive foi quando estava um dia a fazer compras num supermercado em Estocolmo e, para minha surpresa, quando olhei para o lado, vi o então ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia, Carl Bildt, que depois chegaria a primeiro-ministro. O Carl Bildt, ao meu lado, empurrando um carrinho de compras, fazendo compras no supermercado ao meu lado, escolhendo tomates (risos).

O que é que a impressionou nesse momento? Foi o facto de um episódio como esse ser praticamente impossível no seu país?
Com certeza. Para uma brasileira como eu, aquela pareceu uma cena quase sobrenatural. Você vê um político ali, como um cidadão qualquer, fazendo as compras dele, sem nenhum serviçal, sem motorista para carregar as coisas. Aquilo me chamou muito a atenção e eu cheguei a casa e comentei com o meu marido: “Imagina, Ulf, que eu estava agora no supermercado e vi o ministro Carl Bildt fazendo as compras dele”. E meu marido, como bom sueco, falou: “E daí?”

Para um sueco, isso não é nenhuma surpresa. Então, a partir dali eu comecei a conhecer vários jornalistas e políticos suecos, comecei a interessar-me, perguntei: “Mas que país é este onde eu estou?” E nessas conversas com políticos, com jornalistas, fui descobrindo cada vez mais coisas que eram impensáveis na realidade que eu tinha testemunhado a minha vida inteira no Brasil e também em Inglaterra, porque afinal de contas vivi dez anos em Londres, e em Londres também não acontecia aquilo.

Mas quando se mudou para a Suécia, como já estava com o seu marido, não tinha noção de como funcionava a sociedade sueca? Foi uma surpresa total para si?
Não. Foi uma surpresa muito grande. Eu tinha muito pouca informação sobre a Suécia e, assim que cheguei lá, a minha primeira preocupação foi aprender a língua. Então, em vez de fazer um cursinho — eles têm uns cursos para estrangeiros — decidi fazer uma coisa mais séria e fiz uma prova para a Universidade de Estocolmo. Porque na Universidade de Estocolmo você aprende não só a língua mas também a história do país. E comecei a ler muitos livros, eu queria entender aquele país, que era o meu país a partir daquele momento.

O meu marido deu-me vários livros, comprei também vários livros sobre a história sueca, a história do desenvolvimento sueco, porque é um país muito interessante, é um país que há pouco menos de 100 anos era um dos países mais pobres e atrasados da Europa. Então eu tinha muita curiosidade em saber como é que aquele país se transformou numa das sociedades industrializadas mais sofisticadas do mundo.

Em relação à língua, foi fácil aprender?
Não, não, não. Foi absolutamente infernal (risos). É uma língua muito difícil, eles têm nove vogais, a pronúncia é extremamente difícil para quem aprende já numa idade adulta e nada se parece com nada. É como se você fosse um bebé a aprender a falar de novo, porque nenhuma palavra se parece com nada. O inglês, por exemplo, você fala “civilisation” e você sabe que é “civilização”. Em sueco nada se parece com nada, é realmente uma aprendizagem dura, mas é uma língua belíssima.

Quanto tempo demorou?
Na universidade foram três anos. Primeiro tive de fazer um curso preparatório, não pude entrar de imediato na universidade, obviamente, e então fiz um curso preparatório numa universidade particular, que era um curso de sueco para estrangeiros. Até que consegui fazer a prova e consegui entrar na Universidade de Estocolmo para fazer esse curso de três anos de língua sueca.