Do alto da Agua Benta - Eugenio Tavares

Ofereço-vos, caros amigos do “Criolo di Djabraba” este impressionante e arrepiante texto de Eugénio Tavares resguardado por detrás de um dos muitos pseudónimos de que tantas vezes se serviu para explanar as várias facetas da sua inesgotável capacidade criativa.

Oct 8, 2017 - 12:02
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Do alto da Agua Benta - Eugenio Tavares

Ofereço-vos, caros amigos do “Criolo di Djabraba” este impressionante e arrepiante texto de Eugénio Tavares resguardado por detrás de um dos muitos pseudónimos de que tantas vezes se serviu para explanar as várias facetas da sua inesgotável capacidade criativa.

E talvez para suavizar o desumano sofrimento, a torturante infelicidade de não ver chegado o dia “do meu bebezito, coitadito, há tantos anos esperado, e que, eu estou vendo, talvez nunca mais chegue de Paris, na sua condessinha forrada de seda branca...”

A infelicidade que o acompanhou toda a vida!

Impressionante!

Além da infinita admiração por esse génio da nossa terra, somos devedores de um incomensurável respeito pela memória de Eugénio de Paula Tavares.

Lisboa, 07/10/2017

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DO ALTO...

Água benta!

«O outro dia o nosso reverendo pároco não quis encomendar o cadáver de uma criancinha, enquanto a parteira, a ti Ana, lhe não foi declarar, ao reverendo, que a criança fora por ela feita cristã ao nascer.»

Isto, esta coisa profundamente triste que acabo de transcrever, veio escrito numa carta da ilha Brava!

O sr. pároco, porventura diante do perigo de macular a sua alma de santo, ou de ofender a Deus orando sobre um caixãozinho onde ia a enterrar-se o corpo já a diluir-se de uma criancinha de meses, hesitou. Escrúpulo de consciência. Felizmente apareceu a velha parteira, a boa da ti Ana, que garantiu ao reverendo que ela, por suas mãos, tinha feito cristã, a criança, ao nascer.

E o sr. pároco, em vista disso, aceitou, quem sabe lá se ainda constrangido, em borrifar o corpinho virginal, imaculado, da criancinha, com aquela impura água, caldo de cultura de todas as doenças microbiatias - a água benta!

Ti Ana! Deus a abençoe! Tem visto a ti Ana, nascer e morrer tantas crianças! E a ti Ana, com a sua fé pura, sabe que, se há céu, essas pombinhas que voam dos berços, para lá irão sem precisão de de passaportes dos srs. reverendos!

Uma vez - como esta lembrança me entristece! - morreu uma criancinha que nascera nos braços da ti Ana. E que linda que ela era! Não tinha sido feita cristã. Mas, sobre o seu corpinho frio caiu a água de um hissope empunhado por mãos bondosas de um padre que já não existe. E eu vi, cair, sobre a criança morta, dos olhos desse padre, lágrimas, a verdadeira água benta!

Ti Ana! Beijo-lhe as mãos. E se eu ainda tiver um filho, ajoelhar-me-ai, feliz, diante do seu berço, quando a ti Ana o houver de fazer cristão com a bênção santa da sua alma maternal. Mas a água benta dos srs. reverendos, garanto à tia, eu não hei-de querer que macule a inocência virginal do meu bebezinho, coitadito, há tantos anos esperado, e que, eu estou vendo, talvez nunca mais chegue de Paris, na sua condessinha forrada de seda branca...

Aeronauta

Texto preparado por Turibio Hamilton :Pinheiro