Entramos de novo num beco sem saída
Leio um Post a defender que, da mesma forma que os Estados Unidos, tem eleito gente tendencialmente populista e sem real experiência política e com pouca cultura de instituições, Cabo Verde pode fazer o mesmo, sem preocupações.

Às vezes fico a perguntar o que move determinadas pessoas quando esforçam-se por arrolar argumentos em defesa de situações que todos estamos a assistir de cabelos em pé. Sim, a grande e poderosa América elegeu Donald Trump duas vezes. O Brasil elegeu Bolsonaro. E se fossemos mais atrás encontraríamos outros exemplos.
Mas detenhamos no caso que nos sobressalta agora. O Mr. DT, entrou na Casa Branca rodeado de um conjunto de fiéis lunáticos, gente que prefere congelar os neurónios para defenderem interesses imediatistas que não só prejudicam a América, por mais que insistam que acreditam que estão a tornar a América Great Again, como estão a causar disrupções e uma vasta cadeia de danos que nos toca a todos. Parece de loucos, mas está a acontecer.
O Mr. DT acha que pode dormir, sonhar, acordar e decidir: vai tomar o Canal do Panamá, a Gronelândia, qualquer dia decide que o Suez, também. Ia acabar com a Guerra num dia e agora começa a perceber que a sua varinha mágica não chega a tanto, quer transformar Gaza na Reviera do Médio Oriente, empacotar os cerca de 2 milhões de palestinos e mandar para “uns prédios” algures no Sinai Egipcio e na Jordânia, impor taxas e táxinhas e convence uma boa parte dos americanos que quem pagará a fatura são a China, o México, o Canadá, os europeus and so on… mas os americanos começam a perceber que não é bem assim… o Canadá vai ser o 51° State of the USA.
E ainda 50% dos cidadãos eleitores americanos continuam a acreditar que ele é o CARA que vai fazer a América Great Again. O Grande é Histórico Partido Republicano desfez-se e hoje assiste impotente a um desmoronar do sistema que as várias camadas de populações que chegaram à rica América construíram, durante largos anos considerado modelo e referência, a terra da realização dos sonhos e o baluarte da Democracia, graças ao seu eficaz sistema de pesos e contrapesos.
Afinal, nem mesmo a grande América aguenta tal dose de populismo, demagogia, experimentalismo e venda abundante de banha de cobra. Nem mesmo a Grande América!
E nós nestas frágeis e ainda muito dependentes ilhas Atlânticas? Onde vamos buscar dinheiro para dar tudo de graça ou quase de graça? Viagens de avião e barco para não sofrermos duas dores aqui e acolá, educação, saúde, ensino superior, habitação, tchon, medicamentos, exames de diagnóstico, and so on, and so on? Vamos anexar Guiné-Bissau ou o Senegal? O Sissoco já estará informado? Aplicar taxas a quem para serem pagas a quem? O Senegal? Serra Leoa ou as Canárias e Marrocos? Ou vai ser a União Europeia já que sabemos que dos States nem o MCA está mais garantido?
Ou será desta vez que inspirados no saudoso Corsino Fortes, nô tita bem dá kel tal Golpe d’Estafo na Paraíso”?
Era bom que tomássemos tento, deixássemos as emoções na dose recomendada, não embarcássemos na Estratégia de tornar “Cabo Verde um Paraiso na Terra, onde nem de dinheiro vamos precisar porque será tudo gratuito”, basta ir buscar a senha nos ministérios”. É que corremos o risco de não termos nem Ministérios, nem senhas, nem quem as faça, muito menos serviços de saúde com profissionais qualificados e medicamentos básicos, muito menos meios de diagnóstico sofisticados que ainda nem temos, escolas com professores, aeroportos com aviões, portos com barcos, muito menos salários no fim do mês e pensões de reforma.
Ainda estamos a tempo de parar com essa brincadeira, até porque para ganhar o gasto e surdo MpD (também às sensatas vozes internas) em 2026, não é preciso tanto. Com a verdade qualquer candidatura suportada por uma boa máquina tem largas possibilidades de chegar lá.
Eu, que nasci e cresci numa família pobre, pobre mesmo, ninguém na minha família era funcionário público, mas aprendi que é preciso trabalhar duro para se ter, que tudo exige sacrifícios e que o que nos é dado de graça não nos edifica. Meu pai pagava todos os seus impostos e ainda pagava o dízimo na Igreja do Nazareno, mas não esperava nada de graça. Dizia que as únicas coisas que pedia de graça era vida e saúde a Deus e trabalho honesto a quem tivesse para lhe dar. Por isso ele sempre entendeu, e eu aprendi a valorizar isso, a posição de Pedro Pires, Aristides Pereira e outros que fundaram o PAICV e lançaram as fundações do Estado de Cabo Verde, ao surpreenderam a Comunidade Internacional ao decidir firmemente não distribuir gratuitamente a ajuda alimentar, mas vende-la através da Empa, alimentar o Fundo de Desenvolvimento Nacional, para construir estradas, escolas, postos sanitários, centros de saúde, portos, aeronaves, criar empresas, produzir água potável, energia, prover telecomunicações, criar e reforçar instituições, formar quadros, prover educação e serviços de saúde, não posso embarcar nessas narrativas nem deixar de denunciá-las.
Elas são irresponsáveis, perigosas, irrealistas. E no final do dia, quem pagará a fatura do colapso do Estado e das instituições serão sempre os mais frágeis da sociedade, aqueles que têm menos saídas, que não têm outro passaporte e nacionalidade, precisamente aqueles que mais facilmente embarcam nessas narrativas. Muitos outros aplaudem por mera conveniência. Não acreditam em nada disso. Até porque alguns já assumiram cargos de responsabilidade neste País e conhecem a estreiteza da manta. Apenas sabem que no imediato podem ganhar algo e ajustar umas contas, nas intermináveis guerrilhas do poder pelo poder.
A rica e grande América sempre pode aguentar o abalo e daqui a 4 anos, virar a página e continuar grande e poderosa. O nosso pequeno e frágil Cabo Verde não pode. Não suporta determinados solavancos e ninguém vai aceitar pagar os nossos delírios.
Sempre fomos um país de gente sensata. Por isso temos um desempenho melhor que tantos outros países, apesar dos ingentes desafios que ainda temos.
Mesmo face a alguns devaneios nos inícios da década de 90, fomos recentrando porque a nossa manta é mesmo curta. Voltamos às mesmas narrativas e ao 8° ano, a maior parte delas estão completamente desacreditadas.
Entramos de novo num beco sem saída! Para quê? O que nos move? Apenas o poder imediato? Valerá mesmo a pena? Reflitamos!
Sara Lopes