Fomentar estratégias para o desenvolvimento da Ilha Brava

David Lima Gomes é natural da freguesia de Nossa Senhora do Monte, Ilha Brava. Fez os estudos primários em Nova Sintra e, após uma curta passagem pelo Seminário dos Capuchinhos, na Ilha do Fogo, muda-se para São Vicente. Quatro anos volvidos, regressa à Brava para trabalhar no ex-ciclo preparatório. Em 1992, a quando das primeiras eleições autárquicas em Cabo Verde, David Lima Gomes foi eleito deputado municipal.

Mar 30, 2018 - 23:39
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Fomentar estratégias para o desenvolvimento da Ilha Brava

David Lima Gomes é natural da freguesia de Nossa Senhora do Monte, Ilha Brava. Fez os estudos primários em Nova Sintra e, após uma curta passagem pelo Seminário dos Capuchinhos, na Ilha do Fogo, muda-se para São Vicente. Quatro anos volvidos, regressa à Brava para trabalhar no ex-ciclo preparatório. Em 1992, a quando das primeiras eleições autárquicas em Cabo Verde, David Lima Gomes foi eleito deputado municipal. Após dois anos, assumiu funções como secretário municipal da Câmara da Brava, cargo que manteve até 1997, ano em que se fixa na Cidade da Praia para completar os seus estudos em Planeamento de Gestão de Desenvolvimento. Terminado o curso, regressa novamente à Brava para integrar o programa “Luta Contra a Pobreza”  onde trabalhou durante oito anos. Em 2008, por convite do MpD, candidata-se à Câmara Municipal da Brava mas não consegue ser eleito. Esteve até 2011 ao serviço do Município da Ribeira Grande, em Santiago, como secretário municipal. A quando das eleições legislativas de 2011, encabeçou a lista do MpD como deputado pela Brava e é, presentemente, Deputado da Nação pelo círculo eleitoral da sua ilha natal.

Entrevista concedida ao jornal electrónico Nós Genti em Agosto 2016


 

Se tivesse que enumerar os principais avanços da democracia em Cabo Verde começaria por qual das áreas?

Penso que os maiores ganhos que a democracia nos trouxe foram a liberdade e o poder da participação popular na vida política, seja ela ao nível dos órgãos locais, quer mesmo ao nível do Poder Central. E quando falo em participação não me refiro apenas ao voto. Há uma série de outros mecanismos, como por exemplo, através da participação nas Assembleias Municipais que devem ser aproveitadas para as populações exporem as suas ideias e problemas. São tudo ganhos diretos do modelo democrático. Esta participação da população na vida política é extremamente saudável para a nossa democracia e isso é um ganho extraordinário de todos os cabo-verdianos.

Uma das áreas em que trabalhou foi no combate à pobreza. Que áreas desse programa gostaria de destacar e em que medida as mesmas contribuíram para o aumento dos rendimentos da população da Brava?

No programa “Luta Contra a Pobreza” tive intervenção em praticamente todas as áreas. A habitação social era, e continua a ser, um dos grandes problemas da Brava. Junto com os nossos parceiros de projeto este foi, sem dúvida, dos pontos mais sensíveis do programa. Depois intervínhamos também junto das comunidades com projetos específicos vocacionados para as áreas em que essas comunidades tinham tradição e saber, mas que por falta de recursos, as tinham abandonado ou estavam em vias de as abandonar. Por exemplo, junto das comunidades piscatórias financiámos pequenas embarcações, motores e outros materiais. Financiámos pequenos agricultores e fizemos formação em três localidades para a área das rendas, costuras e bordados. Financiámos uma unidade de produção de queijo numa zona de pastorícia com muito gado caprino e cujo leite é transformado em queijo, etc. Todos estes projetos foram essenciais para elevar o rendimento das famílias que deles usufruíram. Muitas delas já obtêm rentabilidade com as suas atividades e, neste momento, contribuem para a riqueza do país. Orgulho-me muito do trabalho que na altura desenvolvemos.

Quais as taxas de natalidade e mortalidade da Brava e como se concentra a população na ilha?

A taxa de natalidade é reduzidíssima; passam-se meses sem nascer uma criança. A taxa de mortalidade também não é muito alta. A Brava é uma ilha pacata, sem muito stress onde se pode ter uma longevidade razoável.

A maior concentração populacional é na cidade de Nova Sintra e arredores. Aqui as pessoas vivem do comércio. Muitos são funcionários de entidades prestadoras de serviços, ou organismos públicos. Os restantes vivem essencialmente das remessas que suas famílias emigradas lhes enviam, especialmente dos Estados Unidos da América.

O facto da Ilha Brava possuir uma população um pouco envelhecida relativamente à média das outras ilhas também acarreta dificuldades ao seu crescimento. Quais são os incentivos para se reverter esta situação e se aumentar os índices de natalidade na Brava?

Há alguns fatores que contribuem para o envelhecimento da população da Brava. Um deles é o mercado do emprego, que aqui é limitado, o que faz com que a camada jovem saia da ilha, sobretudo para Santiago, na procura de oportunidades de trabalho. A questão da formação também é restritiva; como não temos cursos de formação profissional nem universidades, os jovens que terminam o 12º ano e que pretendem continuar os seus estudos têm de o fazer fora da Brava. Depois há ainda a emigração, que é outro dos fatores que contribui significativamente para o envelhecimento da população. Os mais novos vivem com a expectativa de um dia emigrar, principalmente para os Estados Unidos da América, e os que partem raramente voltam para se fixar, deixando cá os mais velhos.

Para se começar a reverter esta situação é fundamental resolver a questão do emprego, com vista a fixar a população mais jovem, e melhorar o nível de ensino na ilha, nomeadamente com cursos de formação profissional.

E como se pode melhorar a oferta de emprego na Ilha Brava?

Essa questão não é fácil, pois o mercado é muito pequeno. Tem que se incentivar os jovens para outras áreas, como por exemplo a agricultura. Criar condições para o desenvolvimento do sector do turismo e da construção são outras das possibilidades que existem.

Ao nível do ensino, a Brava consegue responder ao desafio da qualificação dos seus recursos humanos?

Há o liceu e pouco mais. Devia-se apostar no ensino profissional, mas tal não acontece. Alguns jovens aprendem o ofício de carpintaria com profissionais experientes, mas não é um estudo sistematizado. São os mais velhos que transmitem os conhecimentos aos mais novos, mas isso só não chega. Se queremos ser competitivos, temos de ter capital humano formado e conhecedor. É necessário apostar-se muito mais na formação profissional.

Os emigrantes poderiam ser uma solução caso investissem na sua ilha. Porque não há assim tantos emigrantes que tenham retornado à Brava?

Os emigrantes bravenses querem regressar! Põe-se é muitas vezes o problema dos transportes: muitas pessoas não se dão bem com o mar e se precisarem de sair rapidamente da ilha — até por questões de saúde — não têm essa possibilidade o que acaba por ser um fator condicionante.

Temos também o problema da questão dos serviços básicos de saúde. Apenas possuímos dois médicos de clínica geral, mas não temos clínicos de especialidade. Para terem uma consulta de especialidade as pessoas têm que se deslocar até ao Fogo ou a Santiago, com os riscos que isso acarreta e com os custos envolvidos nessas deslocações.

Com essas duas questões ultrapassadas, estou convicto que teríamos muitos mais emigrantes a retornarem à Brava, a fixarem-se cá e a contribuírem para o desenvolvimento da ilha.

Falou no setor agrícola. Quais os principais produtos agrícolas produzidos na Ilha Brava?

Na Brava produz-se essencialmente tubérculos: batata, abóbora, cenoura, etc. Há excedente de produção para o que é consumido na ilha e, como tal, grande parte do que se produz vai para a Ilha do Fogo.  Há depois uma produção residual de bana e esão a fazer-se experiências no cultivo de cana de açucar para a produção de grogue. Contudo, o preço dos produtos produzidos na Brava não são competitivos uma vez que o custo da água na Brava é muito mais elevado do que no Fogo ou em Santiago. Mesmo assim, alguns produtores têm conseguido colocar os seus produtos, principalmente, no mercado do Fogo.

Numa ilha com tanta humidade, parece um contrassenso não haver água. Há algum projeto pensado para se fazer o aproveitamento desta humidade natural que a Brava possuí convertendo-a em água para irrigação agrícola?

Há de facto, principalmente em determinadas épocas do ano, muita humidade na Brava. Contudo, até pela sazonalidade desta humidade, penso não ser rentável o seu aproveitamento. Daí que tenhamos que contar com a única nascente que abastece toda a ilha. É essa nascente que fornece água para consumo doméstico e para a agricultura, daí que o preço da água na Brava não seja convidativo à prática agrícola mas, à falta de outros meios para sobreviver, as pessoas usam essa mesma água na irrigação das suas pequenas hortas, principalmente aqui, em Nova Sintra.

Houve em tempos um projeto para perfurações, mas sem sucesso. Chegou-se mesmo a perfurar até aos 300 metros. Só se encontrou água numa pequena localidade e, mesmo assim, em pouca quantidade.

A qualidade da água é outro dos problemas. A água da Brava tem excesso de flúor. É por isso que, quem consome da nossa água geralmente apresenta problemas de dentição.

A Brava pretende apostar no turismo de natureza, contudo, as unidades hoteleiras que atualmente possui são poucas e não estão vocacionadas para esse tipo de turismo. Ao nível da hotelaria e restauração, o que é que se terá de fazer para transformar a Brava num destino turístico capaz de captar mais-valias para a ilha?

A Brava sofreu, durante muitos anos, com a questão dos transportes e, embora hoje ainda não estejamos bem servidos, houve um tempo em que o barco podia passar 15 dias sem funcionar. Mesmo quando operava, as condições de viagem eram degradantes. Não havendo muitos viajantes a passarem pela Brava, também não havia motivo para se fazerem grandes unidades hoteleiras ou melhores restaurantes. As pessoas apostaram em pequenos restaurantes e pequenas residenciais.

Penso que com a melhoria dos transportes os empresários do setor terão que rever a sua estratégia e terão que apostar mais seriamente. Sem uma aposta forte na prestação de serviços de qualidade, dificilmente conseguem cativar os turistas a vir à Brava.

Considera suficientes as atuais infraestruturas rodoviárias existentes na Brava?

Tenho reivindicado, em Assembleia Nacional, mais e melhores infraestruturas para a Brava. Hoje já temos a estrada Furna/Nova Sintra, mas é necessário que outras localidades sejam contempladas com vias mais modernizadas. Penso que é importante criarem-se infraestruturas básicas que apoiem o desenvolvimento da ilha. Não desisto da ideia da Brava ter o seu próprio aeródromo. Muitos estudos já foram prometidos mas, até ao momento, não saíram da gaveta. Há depois outras infraestruturas de apoio à economia que são fundamentais para o nosso desenvolvimento e que tardam em ser implementadas. Sem uma estratégia séria de investimento, será difícil à Brava entrar na linha do crescimento de outras ilhas.

Mas o Estado não poderá fazer tudo, terá que haver outros parceiros que também invistam, nomeadamente ao nível financeiro. O que tem sido feito para cativar estes potenciais parceiros?

A Brava não possui um sector económico forte que permita às pessoas criarem pequenas e médias empresas. Por exemplo, as rendas e os bordados que têm muita tradição na nossa ilha e são bastante apreciados. Se as pessoas tivessem acesso ao microcrédito, possivelmente os seus produtos poderiam chegar aos Estados Unidos da América ou à Europa e, desta forma, contribuírem para o crescimento económico dessas famílias. Apresentámos o projeto, mas até agora, não obtivemos resposta. Claro que se a MORABI ou outras instituições especializadas aqui estivesse, seria uma grande ajuda para o desenvolvimento do autoemprego. O pouco que se tem vindo a fazer é através da Câmara Municipal que, pontualmente, tem incentivado algumas pessoas a produzir para conseguirem ter o seu sustento. Claro que isso só não chega.

Como gostaria de ver a Brava dentro de cinco anos?

Sonho o que todos os bravenses sonham: ver a Brava bem. Por isso, tenho dado a minha contribuição para que se consiga melhorar as condições que hoje temos. Gostaria de ver mais emprego, mais jovens com futuro, mais cuidados de saúde, desenvolvimento nos transportes, mais agricultura, pesca, pecuária e o surgimento de mais micro e pequenas empresas. Este é o meu sonho, e é por ele que trabalho.