Ilha Brava: José Domingos, um ex-deputado que levou 24 anos a construir um iate para servir o povo

José Domingos Lopes, ex-emigrante e ex-deputado que levou 24 anos a construir um iate com suas próprias mãos e com este, demonstrou o seu lado humano e espírito de inter-ajuda à comunidade bravense.

Jan 6, 2019 - 11:47
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Ilha Brava: José Domingos, um ex-deputado que levou 24 anos a construir um iate para servir o povo

José Domingos Lopes, ex-emigrante e ex-deputado que levou 24 anos a construir um iate com suas próprias mãos e com este, demonstrou o seu lado humano e espírito de inter-ajuda à comunidade bravense.

José Domingos faleceu sábado, aos 80 anos, vítima de doença, deixando a ilha Brava consternada, pois, segundo os bravenses, foi um homem que, além de ex-emigrante, ex-político, um dominador dos instrumentos de corda, um homem “sábio”, o mesmo possuía um lado humano, que apoiava todos os que necessitavam, sem ver para a cor, a política ou qualquer outro traço que fosse.

Antes de falecer, a Inforpress teve a oportunidade de fazer uma entrevista a esta figura, onde contou a sua história de vida e as peripécias que passou até chegar onde chegou, mantendo sempre o espírito de inter-ajuda.

José Domingos Lopes nasceu na Ilha Brava em 1939, e ao iniciar a sua história, entre risos, apontou a seca como sendo a principal lembrança da sua infância na ilha.

Segundo José Domingos Lopes, mais conhecido por José di Sivera ou Djou pelos mais íntimos, no seio da sua família, assim como tantas na ilha, via a emigração como a saída para obter algo na vida. E assim, cresceu consciente que, após uma certa idade, teria de emigrar também.

Viveu toda a sua infância na Brava, e, aos 17 anos, emigrou para os Estados Unidos, mesmo tendo concluído o 4º ano, o seu avô não lhe deu a oportunidade de ir a São Vicente estudar mais, mas sim, sempre insistiu que tinha de viajar para trabalhar o que veio acontecer.

Chegando nos Estados Unidos, procurou trabalho nos barcos, mas não foi possível e a única saída foi ingressar nas Forças Armadas, e aproveitou o tempo ingressado nas Forças Armadas para completar o liceu.

Mas, o que não esperava e ninguém o tinha contado é que nos Estados Unidos existia um grande nível de racismo, o que sofreu na pele, por várias vezes, durante muitos anos.

Ao cumprir o seu tempo nas Forças Armadas, foi procurar trabalho na marinha mercante e, enquanto trabalhava, foi estudando engenharia naval, até conseguir ser chefe de máquina.

A fonte considerou que teve sucesso nesta área, onde ganhava muito bem, tendo a oportunidade de comprar tudo o que tinha necessidade, apoiar a sua família que estava em Cabo Verde, tendo ajudado cerca de 40 delas a emigrarem para os Estados Unidos.

Com todos os esforços que vinha fazendo, Djou tinha um sonho, que era de ter um barco próprio e não vendo a oportunidade de comprar, a única solução mais prática foi construir a sua própria embarcação.

“Investi em algumas formações, e como sempre tive muitas habilidades, fui desenhando a minha embarcação, mesmo nas viagens. Na minha última viagem a cidade da Praia em 1978, dei o último traço na embarcação que queria construir”, contou o protagonista.

A partir de 1978, na rua da sua casa, Djou iniciou a construção do seu iate, pensando que não iria ser tão difícil. O mesmo, aproveitava os 50% dos tempos livres que tinha, pois trabalhava seis mês no mar e ficava seis em terra de férias, para construir o barco.

Este sonho durou 24 anos para se tornar realidade, e segundo o mesmo, gastou cerca de em meio milhão de dólares (aproximadamente 40 mil contos) na sua construção.

Em 2003, Djou saiu dos Estados Unidos rumo a Cabo Verde, na sua própria embarcação que deu o nome de “Senhora do Monte”. A viagem durou cerca de cinco semanas, com escala nos Açores e nas Ilhas Canárias, considerado uma viagem “record” pelo mesmo, visto que era uma embarcação à vela.

Entretanto, antes de vir para a sua terra natal de vez, já tinha estado no arquipélago em 1991, onde enveredou pela carreira política, candidatando-se para presidente da Câmara Municipal da Brava, mas a sua candidatura foi impugnada.

Ao voltar em 2003 para Cabo Verde, com o seu iate, Djou manteve a ligação Fogo/Brava, prestando socorro com os seus próprios recursos, a qualquer hora, independentemente de quem fosse.

Por ter vontade de conhecer melhor a estrutura política do país, resolveu meter-se na política de novo, onde foi eleito deputado da nação na lista do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), pelo círculo da Brava de 2006 a 2011.

Mas, ao entrar na política, o mesmo disse que ficou a sofrer várias perseguições, além de alguns outros motivos, como roubos na sua embarcação, acabando por afundar o seu sonho maior (o iate) em 2009, na zona de Fajã D´Água, o que lamentou muito, mas de acordo com o mesmo, “o povo cabo-verdiano não gosta de ajudar o próximo”.

José Domingos, além da sua paixão pelo mar, gostava de ser músico e tocava quase todos os instrumentos de cordas, dominando-os com muita mestria, tendo colaborado em alguns trabalhos discográficos de artistas cabo-verdianos como Gardénia Benrós, João Évora, entre outros.

Ultimamente, conforme contou à Inforpress, já não conseguia tocar, por motivos de saúde, mas não deixou de demonstrar o seu desejo em tocar de novo.

Em torno de Djou existia uma “lenda”, de que ele tinha feito as suas mobílias de cimento, para evitar que a mulher carregasse.

Questionado sobre este facto, brincando ele explicou que tem algumas mobílias feitas de cimento sim, mas não por este motivo, mas sim para garantir a durabilidade das mesmas, como mesa, um divã, alguns assentos, para quando as filhas que estão nos Estados Unidos vierem visitar a casa, terem a oportunidade de encontrá-la um pouco preservada.

José Domingos Lopes falava com muita convicção, partilhando as suas experiências, transmitindo a sua sabedoria e demonstrando que “o homem pode ter tudo o que tiver, mas se não partilhar com os outros, não for capaz de fazer o bem, de nada serve a sua inteligência e muito menos os seus bens”.