Ilha Brava — Projetar o desenvolvimento

A Ilha Brava possui características únicas que podem torná-la num modelo de desenvolvimento sustentado em Cabo Verde. As suas paisagens intocadas, aliadas a uma cultura ímpar e secular, tornam-na potencialmente vocacionada para atrair um turismo diferenciado de alto valor acrescentado. Esse tipo de turismo pode potenciar o aparecimento e o desenvolvimento de outras atividades conexas que vão da restauração à hotelaria, passando pelo artesanato, comércio e os agronegócios. Contudo, a Brava enfrenta o mesmo tipo de desafios que o resto de Cabo Verde. O desafio da unificação do mercado é, talvez, o mais gritante. Sem se ultrapassarem estas limitações, dificilmente a Brava se poderá afirmar como uma plataforma de prestação de serviços e de fornecimento de bens no país.

Jan 3, 2018 - 12:19
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Ilha Brava — Projetar o desenvolvimento

A Ilha Brava possui características únicas que podem torná-la num modelo de desenvolvimento sustentado em Cabo Verde. As suas paisagens intocadas, aliadas a uma cultura ímpar e secular, tornam-na potencialmente vocacionada para atrair um turismo diferenciado de alto valor acrescentado. Esse tipo de turismo pode potenciar o aparecimento e o desenvolvimento de outras atividades conexas que vão da restauração à hotelaria, passando pelo artesanato, comércio e os agronegócios. Contudo, a Brava enfrenta o mesmo tipo de desafios que o resto de Cabo Verde. O desafio da unificação do mercado é, talvez, o mais gritante. Sem se ultrapassarem estas limitações, dificilmente a Brava se poderá afirmar como uma plataforma de prestação de serviços e de fornecimento de bens no país.

Sendo a menor das nove ilhas habitadas do arquipélago, a Ilha Brava foi descoberta por Diogo Afonso em 1461 ou 1462, mas só começaria a ser povoada pelos portugueses no século XVI, altura em que se denominava Ilha de São João, ainda hoje o padroeiro do concelho. Com 67 quilómetros quadrados (10,5 quilómetros de comprimento por 9,2 de largura), arredondada e com o ponto mais alto situado a 976 metros, a Brava é uma ilha do Sotavento cabo-verdiano, a mais a sudoeste do arquipélago. A sua maior localidade é a cidade de Nova Sintra.

Nova Sintra tornou-se, em 2013, a Primeira Capital da Cultura de Cabo Verde. Esta distinção pode suscitar dinâmicas económicas, sociais e culturais bastante importantes para o desenvolvimento da Brava. Sendo Cabo Verde um país arquipelágico é importante que cada ilha cresça e se afirme através da valorização das suas especificidades. Ao nível do património histórico e cultural, a Ilha Brava oferece um elevado potencial para se afirmar como uma referência nacional e mesmo internacional, da cultura cabo-verdiana. Se a estes fatores acrescermos a elevada comunidade de emigrantes radicada, em especial, nos Estados Unidos da América, podemos antecipar que a ilha tem motivos para se poder destacar no contexto da emigração. Este fator é determinante na captação de investimentos e na atração de competências existentes nas comunidades emigradas, o que é fundamental para o crescimento da sociedade cabo-verdiana.

Ao nível dos indicadores de acesso a serviços básicos e às condições de vida, a Ilha Brava encontra-se acima da média nacional na maior parte dos indicadores, como por exemplo, os relativos à taxa de alfabetização, acesso à eletricidade, água canalizada, instalações sanitárias, sistemas de comunicação e bens de primeira necessidade. Contudo, apesar destas taxas satisfatórias, a percentagem de população na Brava que vive abaixo do limiar da pobreza é superior à média nacional. Há, por isso, ainda muito trabalho que tem de ser executado para se minimizar este fosso social.

O dado estatístico mais significativo e preocupante é o facto de, a população da Ilha Brava, estar a diminuir de forma acentuada. Atualmente, conta com menos de 6 mil habitantes, prevendo-se que este número diminua para menos de 5 mil até 2030. Mas a estabilização e o aumento de população na Brava não são os únicos desafios que a ilha enfrenta. A construção de uma economia dinâmica e competitiva, o fomento do setor privado, a coesão socioeconómica, o desenvolvimento dos recursos humanos e os investimentos na infraestruturação, são aspetos que merecem a atenção dos Governos nos próximos anos, sob pena de a Ilha Brava “perder a corrida” do desenvolvimento face a outras ilhas do arquipélago.

Há que saber aproveitar as oportunidades adequando-as às especificidades das diversas regiões do país. Para o caso da Ilha Brava, as oportunidades surgem em áreas como o turismo, a economia marítima, a economia criativa e os agronegócios. O potencial de desenvolvimento da ilha é elevado, mas as assimetrias registadas, por exemplo, ao nível da formação são acentuadas. Enquanto que a média do país ao nível da população com formação superior se cifra em torno dos 6,7 por cento, este valor ronda apenas 1 por cento na Brava. Além de ser preocupante, é ainda limitador para o estímulo do empreendedorismo local especializado.

Realizado em Dezembro de 2013, o “Fórum para o Desenvolvimento da Ilha Brava” reuniu diversas entidades públicas e privadas que, juntando sinergias, tentaram encontrar modelos para o desenvolvimento sustentado da ilha. Foram analisadas as debilidades da ilha, mas, também, as suas grandes potencialidades. Das conclusões que saíram deste marcante encontro estratégico, destaca-se a necessidade de diagnósticos profundos da situação e dos recursos da ilha e que serão a base para o desenvolvimento e implementação de ações futuras. A liderança deste processo deverá partir do Poder Local, o qual não poderá ignorar que o sujeito principal do desenvolvimento é, e sempre será, a iniciativa privada. É precisamente na iniciativa privada que recai uma das principais vantagens da Brava. Através da sua diáspora, poderão ser encontrados modelos para o desenvolvimento económico da ilha. Contudo, é preciso diálogo e as câmaras municipais poderão obter vantagens operacionais se possuírem pelouros ou serviços específicos para a área da emigração.

O acesso e a mobilização das comunidades cabo-verdianas na emigração deve ser equacionada tendo em consideração as diferentes gerações. As primeiras gerações de emigrantes têm uma ligação sentimental com a Brava e Cabo Verde; já as gerações mais novas são mais sensíveis a argumentos económicos, sentindo-se atraídas por oportunidades de investimento lucrativas. Atualmente, os emigrantes já participam em vários investimentos na Brava, mas muitos mais poderão participar se existirem campanhas e incentivos específicos a eles direcionados.

A presença de mais turistas e emigrantes depende também de alguns investimentos em infraestruturas, nomeadamente ao nível da saúde e da facilitação de transportes, assim como na melhoria do acesso e na qualidade dos vários serviços públicos, muitos dos quais necessitam de ser descentralizados. Conforme tinha salientado o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, no discurso de encerramento do Fórum, “não há protagonismo local sem desenvolvimento. E esses atributos, protagonismo e desenvolvimento, dependem, por sua vez, da adesão das pessoas, da decisão das pessoas em assumirem a condição de sujeitos, do desejo, da vontade e das escolhas que, neste caso os bravenses, fizerem para alcançar uma melhor qualidade de vida para esta parcela do território nacional. O desenvolvimento que se quer para a Ilha Brava será o resultado de decisões que poderão ampliar as possibilidades de um futuro de prosperidade, desejado por todos. Para tanto, exige-se o envolvimento e o compromisso de todos na construção do seu próprio futuro”.

É necessário, pois, que se promovam políticas de estímulo ao protagonismo local, capazes de criarem um ambiente de participação democrática, de educação e formação, de planeamento participativo e de gestão partilhada. Só desta forma se poderá apetrechar a sociedade, as comunidades, as organizações e as instituições com as ferramentas necessárias a um desenvolvimento planificado e sustentável. A Ilha Brava possui potencialidades de desenvolvimento específicas mas reais. Do turismo natural e cultural aos desportos náuticos, à agricultura e à pecuária, passando pelos agronegócios e a indústria transformadora quer de produtos agrícolas e piscícolas, quer do artesanato e produtos culturais. É necessário, por isso, um empenhamento de todos na divulgação destas potencialidades e na criação de mecanismos sustentados capazes de as converter em riqueza efetiva, pois tal como salienta o Presidente da República, “é altura de fechar o inventário das vantagens competitivas da ilha e de começar a definir como transformar essas vantagens em posições de competitividade.”