Juízes do Supremo Tribunal de Justiça recusam marcar presença em actos de solenidade

Os juízes do STJ declararam hoje que, enquanto se mantiver o clima de “desconsideração à dignidade do poder judicial e dos seus titulares” não vão marcar presença em actos de solenidade a que devam comparecer por cortesia institucional.

Nov 26, 2020 - 12:24
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Juízes do Supremo Tribunal de Justiça recusam marcar presença em actos de solenidade

Os juízes do STJ declararam hoje que, enquanto se mantiver o clima de “desconsideração à dignidade do poder judicial e dos seus titulares” não vão marcar presença em actos de solenidade a que devam comparecer por cortesia institucional.

“…Enquanto se mantiver em Cabo Verde o clima de hostilidade institucional e de desconsideração à dignidade do poder judicial e dos seus titulares, não estarão reunidas as condições para a presença dos juízes conselheiros do STJ [Supremo Tribunal de Justiça] em qualquer acto ou solenidade a que devam comparecer por cortesia institucional”, afirmou o porta-voz Benfeito Mosso Ramos, rodeado dos demais cinco colegas que integram o STJ.

O juiz conselheiro fez essas considerações numa declaração  à imprensa para, segundo ele, reagir a uma das “investidas mais afrontosas”, ao poder judicial, “de que se tem memoria” em Cabo Verde.

Lembrou que a referida situação ocorreu no passado dia 29 de Outubro, aquando do debate parlamentar sobre o Estado da Justiça.

Segundo ele, uma “ilustre deputada da Nação” [Mercéa Delgado, eleita nas listas do Movimento para a Democracia (MpD-poder)], “a pretexto de exprimir aquilo que bem podia ser legítimas preocupações com o funcionamento das instituições judiciárias”, aproveitou para retomar, com  “indisfarçável propósito,  impropérios que têm vindo a ser desferidos contra certos magistrados judiciais, alguns dos quais em exercício na mais alta instância judicial, como é o caso da própria veneranda presidente do Supremo Tribunal de Justiça”.

Para o colectivo do STJ, constitui “sem a menor dúvida”, direito dos representantes da Nação, bem como de qualquer cidadão, fazer a crítica e chamar à atenção para as “disfunções da Justiça, apelando, se for o caso, para a efectivação das responsabilidades que se impuser”.

“O que já não se afigura de todo admissível num Estado de Direito é que esse escrutínio democrático seja aproveitado para se fazer extrapolações, visando conspurcar o bom nome de magistrados, em violação, desde logo, do direito à honra que a Constituição da República reconhece a todos os cidadãos”, deploraram os juízes conselheiros do STJ.

Na declaração, sublinharam que, no caso em referência, o mandato parlamentar foi utilizado para “emprestar chancela oficial àquilo que, hoje ninguém duvida, constitui um bem urdido plano para denegrir a reputação pessoal e profissional de magistrados”.

Para o porta-voz do STJ, tal plano surge como forma de “retaliação” às decisões dos magistrados, acrescentando que isto “jamais podia encontrar conforto em quem é titular de um órgão de soberania e em sede de um órgão de soberania, como é a Assembleia Nacional”.

“Não deixa igualmente de suscitar indignação o facto de, durante a referida intervenção, em nenhum momento se ter ouvido uma voz, uma única voz, a convidar a ilustre deputada a respeitar o bom nome de cidadãos indefesos, no caso magistrados judiciais que, nessa qualidade, são titulares de um órgão de soberania como os deputados”, lamentaram os juízes do colectivo do STJ.

Esses magistrados consideram, ainda, “mais grave” o facto de, passados 27 dias da intervenção da parlamentar Mercéa Delgado, não se ter conhecimento de qualquer “demarcação em relação a essa afronta à dignidade do poder judicial”.

De acordo com o aforismo ‘quem cala consente’, afirmaram os magistrados, leva a presumir que a intervenção da referida deputada acabou por “merecer a aprovação de quem, por razões de princípio e/ou pelas suas responsabilidades constitucionais, não pode não pode transigir com tal situação”.

Na perspectiva dos juízes do STJ, o ataque aos magistrados “já não surpreende em Cabo Verde”, atendendo aos “crescentes ataques à Justiça e aos magistrados da parte daqueles que se julgam acima da lei e que têm contado com confortável amparo nas altas instâncias políticas da República”.

“…A credibilidade internacional de que goza o Estado de Direito instituído em Cabo Verde, um dos grandes activos da nossa República, é também, e em certa medida, tributária da seriedade das suas instituições judiciárias , em especial da reconhecida independência do seu Poder Judicial, com o Supremo Tribunal de Justiça à cabeça”, indicaram os juízes conselheiros, concluindo que “não se conhece caso algum no mundo de um Estado de Direito credível que não esteja dotado de instituições, também credíveis, as quais constituem aliás um dos traços da sua identidade”.

A declaração apresentada à imprensa foi aprovada esta terça-feira, por unanimidade, à excepção  da presidente do STJ, Fátima Coronel, que não participou na reunião, conforme o porta-voz.