A história já aqui foi contada mas faltava a fotografia dos protagonistas, o "Caravela" CS-TCC e eu próprio aqui registados dias depois da
"largada".
Passo a explicar.
Terminado o curso de comissário o candidato fazia um voo de observação e logo depois o voo de "largada" em que era acompanhado por um instrutor/a que iria avaliar o seu desempenho. Assim aconteceu comigo também.
O voo era um Lisboa / Zurich / Lisboa realizado em "Caravela" e a mim competia-me trabalhar no regresso. Na viagem de ida seria outro colega a ser avaliado. Connosco seguia a instrutora Maria do Socorro, "Micô" para os íntimos, uma das "feras" da TAP naquela altura. Era uma senhora bonita e elegante, uma "hospedeira" à moda antiga que inspirava uma espécie de temor reverencial a quem dependia das suas avaliações. Comigo não era diferente. Andava nervoso.
O voo até estava a correr bastante bem e começava a acreditar que ia finalmente começar a trabalhar nos aviões só que de repente aconteceu uma enorme tragédia. Uma passageira brasileira, ainda jovem e com um bebé de meses ao colo veio ter comigo e disse:
- Moço, me aquece aí a mamadeira?
Fiquei atónito. A mamadeira era um biberon meio cheio de leite que eu devia aquecer em qualquer lado. Faltava saber onde e como.
A "Micô" saltou da cadeira em que me observava, cruzou os braços e concentrou-se em mim. Como iria o rapaz resolver aquele problema?
Pensei e repensei. No Caravela não havia fogão nem nada que se parecesse. Para aquecer a comida dos passageiros tínhamos uns fornos de alta temperatura mas se lá colocasse o biberon aquilo derretia em menos de um fósforo.
A única possibilidade residia nos termos de água quente que embarcavam para fazer chá e café.
A "Micô" olhava para mim:
- "Então?"
- "É fácil", atirei. "Vou aos termos de água quente e acabo de encher o biberon, ou mamadeira ou lá o que é. Fica morno, pelo menos."
A "Micô" não queria acreditar. Chamou-me mixordeiro em surdina e disse que isso de acrescentar água ao leite não se fazia, era quase crime. Foi aí que pensei que a minha brilhante carreira na TAP tinha terminado mesmo antes de começar mas as minhas piores expectativas não se confirmaram. Pouco depois a "Micô" fez-me uma prelecção sobre essa coisa extraordinária que é o "banho maria" e eu acabei por agir em conformidade. Até então não fazia a mínima ideia do que isso era.
À chegada a Lisboa chamou-me para uma conversa em privado para a qual parti completamente derrotado.
"Acabou-se. Fiz asneira e vou ser dispensado", pensei.
Nada disso.
"Não gostei da parte do biberon mas no resto você não esteve mal", disse a "Micô". "Está aprovado e desejo-lhe boa sorte para o resto da carreira".
Se pudesse ter-lhe-ia beijado as mãos , os pés, o que quer que fosse, tal o tamanho da minha gratidão. Tive que me conter e limitei-me a um emocionado "obrigado e bem haja pela sua compreensão".
Décadas depois, já comandante de longo curso, tive a honra de ter a "Micô" como passageira. Claro que a convidei para classe executiva e durante a viagem fiz questão de a cumprimentar pessoalmente. Impossível não falar no episódio do Caravela. Ela lembrava-se e sorriu de forma benevolente:
- "Você não tinha muito jeito para aquilo, não é? Consta que é bem melhor como piloto".
Limitei-me a concordar. Se pudesse tê-la-ia coberto de beijos mas tal não me pareceu adequado naquele momento e circunstância.