Operações aéreas no aeroporto Cesária Évora: Há pista iluminada ou não?
Nos últimos dias tem havido alguma polémica sobre as ligações aéreas da TACV/CVA entre S. Vicente e Lisboa (com uma ligação semanal), num momento em que a operadora alugou um segundo aparelho. Sobre a TAP, que tem uma ligação diária na mesma rota LIS-VXE, nada há a dizer em termos operacionais. O que se passa então? Não há voos noturnos porque a pista não é iluminada (tal como algumas pessoas na TACV, na comunicação social e nas redes sociais sugerem) ou há problemas de planeamento na transportadora?
A pista do Aeroporto de S. Vicente é iluminada desde o ano 2000 quando se começou a transferir passageiros Sal-S.Vicente nos aviões domésticos, à noite. Em 2009, o aeroporto internacional foi inaugurado depois de obras de ampliação da pista (extensão de 1.500 para 2.000m e alargamento de 30 para 45m), construção de um terminal de passageiros com 11.000m2 (e três pisos -1,0 e +1) e reinstalação e ampliação das luzes da pista e da ajuda visual para aterragem (PAPI). A capacidade do terminal foi definida para 500 passageiros/hora. A fase 1A do Plano Diretor então implementada previa, num cenário otimista para 2022, quatro movimentos de aeronaves de classe A (LET 410), 22 de classe B (ATR42 e ATR72) e 6 de classe D (B757-200 ou A320) no dia mais movimentado da semana. A realidade mostrou que o aeroporto não atingiu as metas previstas e continua com excesso de capacidade, já que os projetos previstos nas ZDTI’s de S. Vicente e na Zona Industrial de Lazareto não se concretizaram.
Estudos aeronáuticos levados a cabo pela IATA e pela Proplano sinalizaram muito bem os obstáculos existentes no entorno aeroportuário que iriam impactar nos procedimentos de aproximação e aterragem. Dotado de um NDB (rádio-farol não-direcional) e de um Localizador (elemento eletrónico do sistema de aterragem por instrumentos que indica o alinhamento com o eixo da pista), os mínimos para aterragem seriam sempre mais altos do que Sal ou Praia, onde os procedimentos são feitos sobre o mar e as orografias são boas.
Já na fase de planeamento aeroportuário de S. Vicente se decidiu que os procedimentos por instrumentos de não-precisão seriam baseados no NDB e no Localizador e, mais tarde, (conforme estudos encetados em 2013) no RNAV/GNSS. Mas os mínimos seriam sempre condicionados pela orografia e pelos obstáculos.
Na certificação pela AAC (assessorada pela empresa neo-zelandesa Airways Internacional), em 2009 foram impostas e publicadas as seguintes limitações: 1) Para as operações noturnas todas as luzes de identificação de obstáculos deverão estar operacionais; 2) São proibidas as manobras em circuito, à noite; 3) São proibidas aterragens noturnas na pista 25 por aeronaves de código 4 e em ambas as pistas por todas as aeronaves turbo-jacto; 4) todas as descolagens em IFR (Instrument Flight Rules) devem manter VMC (Visual Meteorological Condition) até ao mínimo de 1.500’; 5) Considerando as características do terreno e obstáculos circundantes, o aeródromo é designado de aeródromo especial nos termos do CV CAR 8.J.1160.
Em resumo: as proibições de voo noturno foram impostas aos aviões turbo-jato (caso dos B737, B757, A320 e equiparados) e não aos turbo-hélice (caso dos ATR ou equiparados). Um ATR pode operar à noite e um B737 não, porque a performance operacional não é igual em caso de procedimento de aproximação falhada.
Manda a verdade e os factos dizerem que a TAP se adaptou muito bem às condições de São Vicente e, atualmente, faz voos diários Lisboa-Mindelo-Lisboa. Há mercado ou não há? Claro que há! A TAP ganha vantagens por pertencer à Star Alliance e possuir uma boa rede de rotas na Europa e no mundo, o que lhe permite concentrar e distribuir os passageiros a partir do hub de Lisboa. A TACV não pertence a nenhuma das 3 alianças mundiais, tem problemas de frota e de planeamento operacional, faz contínuas derivas estratégicas, não construiu um produto para atrair os cabo-verdianos (em cujo cabaz não é só o preço que conta) e mostra sérias dificuldades em adaptar-se à rede aeroportuária nacional.
Ambas transportadoras foram convidadas a acompanhar o processo de planeamento aeroportuário e de certificação e os factos mostram quem fez (e faz) o trabalho de casa. E, no caso da aviação, o patriotismo piegas não é para aqui chamado.