“Passados estes anos, o PAICV não tem a confiança dos cabo-verdianos”
José Sanches é o primeiro a confirmar a candidatura à presidência do PAICV. Diz que quer devolver o partido aos militantes e que é preciso “mudar o estilo de liderança” e recuperar o encanto perdido em 2016. “Passados todos estes anos os dados ainda indicam que o PAICV não tem a confiança dos cabo-verdianos e que a actual liderança “não está a galvanizar os cabo-verdianos”.
José Sanches é o primeiro a confirmar a candidatura à presidência do PAICV. Diz que quer devolver o partido aos militantes e que é preciso “mudar o estilo de liderança” e recuperar o encanto perdido em 2016. “Passados todos estes anos os dados ainda indicam que o PAICV não tem a confiança dos cabo-verdianos e que a actual liderança “não está a galvanizar os cabo-verdianos”.
Demonstrou a sua disponibilidade para concorrer à presidência do PAICV. Na eventualidade de ganhar as eleições o que será diferente?
Uma eleição num partido político não é só o processo de substituição de um líder pelo outro. Uma eleição passa por uma substituição mas é fundamentalmente o estilo de liderança, a forma de liderança, a capacidade de diálogo, a capacidade de mobilizar os militantes, de os galvanizar, a capacidade de trabalhar para a união do partido, para a sua coesão, o estilo fundamental e preponderante em atingir os objectivos do partido no que concerne ao diálogo, à tolerância pela opinião contrária e fazer com que todos os militantes do PAICV contem para o grande desafio da nação. Porque os desafios da nação ultrapassam o que são os desafios de um ou outro militante. Por isso, é necessário mobilizar todos os militantes. E aquilo que também tem de mudar na liderança do PAICV é a capacidade de estar em todas as frentes da governação do país. Mesmo estando na oposição, ter espírito de diálogo para questões fundamentais do país no que respeita à segurança, educação, relações internacionais, a questão da saúde, do emprego e das grandes opções do plano. Estar na oposição significa dar contribuição e ter capacidade de diálogo, não só internamente, mas também com o governo e outros partidos da oposição para podermos engendrar uma agenda que possa levar o país ao desenvolvimento. E essa agenda não é só da responsabilidade de quem governa, mas também de quem está na oposição.
Mas se sentiu esta necessidade de avançar para a liderança do partido e tem uma base de suporte que o apoia é porque acha que não está dentro do que acha que deve ser o PAICV. Por isso volto a perguntar: o que é que irá mudar?
O que irá mudar é o estilo de liderança, a forma de liderança do PAICV e o objectivo central que é colocar o partido no centro do debate a nível político interno e fazer com que a visão do PAICV, aquilo que sempre foram os objectivos do PAICV que é um partido de causas, de projectos, de visão, seja reconhecido pelos cabo-verdianos. Porque o que os cabo-verdianos disseram de forma clara em 2016 foi que perderam o encanto no PAICV e votaram no outro partido em todas as eleições. E passados todos estes anos os dados ainda indicam que o PAICV não tem a confiança dos cabo-verdianos, temos os dados das sondagens que nos indicam que o PAICV, a sua liderança, não está a galvanizar os cabo-verdianos. O PAICV não está mobilizado. Como disse, liderar um partido não é só substituir um líder por outro é também fazer a diferença no estilo, na forma e no conteúdo. E é preciso dotar o partido de uma agenda própria. Por exemplo, três anos depois o PAICV devia ter já uma agenda autárquica com candidatos já no terreno a trabalharem para ganharem as eleições autárquicas. E era preciso estar, neste momento, a galvanizar as pessoas nas áreas em que o governo está a falhar para que o PAICV pudesse, nesta altura, estar a apresentar a sua proposta aos cabo-verdianos de modo a que esta possa ser interiorizada pelas pessoas e elas ao analisarem a governação e a proposta apresentada pelo PAICV teriam já uma palavra a dizer. Qualquer liderança do PAICV tem de ter como principio fundamental contar com todos os militantes.
Isso não está a acontecer?
Há muitos militantes que dizem isto. O próprio Conselho Nacional projectou que é necessário para o partido mais combatividade, mais coesão, mais unidade. E é preciso que o partido se galvanize e mobilize. E entretanto, temos uma boa parte dos militantes que não se sentem incluídos. Por isso, é necessário irmos buscar todos os militantes. Propor, agora, uma plataforma aos militantes significa dizer o que queremos para o PAICV. Se aparecerem outras candidaturas isso será bom para o partido porque é um sinal de vitalidade. Com outras candidaturas, teremos possibilidade de ir mobilizar os nossos militantes para a causa nacional que é o país. Entretanto, nesta altura a nossa candidatura está em cima da mesa e está totalmente aberta para discutir projectos. Para discutir visão. Para discutir as grandes opções para o partido e para o país. As outras questões do Facebook, dos insultos, das pessoas que não aceitam, deixamos de parte. Nós estamos focados nos problemas do PAICV, naquilo que temos de apresentar aos militantes para resolver os problemas do partido, para que este se possa apresentar aos cabo-verdianos com confiança devolvendo a esperança que perderam nas últimas eleições.
Há quem já tenha dito que a sua candidatura é extemporânea, que se devia deixar esta direcção disputar as eleições e depois sim partir para eleições. Sente que isso pode condicionar a sua candidatura?
Não. Nem de longe nem de perto. Repare, essas pouquíssimas pessoas são sujeitos bem identificados, não conhecem os estatutos do PAICV, nem conseguem, se calhar, viver com a democracia. Porque não fui eu que marquei as eleições. Foi o órgão máximo entre os congressos do PAICV – Conselho Nacional – que avaliou o desempenho do partido e no fim do mandato é que marcou as eleições primárias para Janeiro e o Congresso para Fevereiro. Portanto, o Conselho Nacional quando avalia o desempenho do partido, a sua actuação no panorama nacional tira as suas conclusões. Já houve tempo em que o Conselho Nacional disse que não se justificava marcar eleições internas. A questão não é haver várias listas. Já houve eleições em que não houve disputa e 2017 é um exemplo. Portanto, se há ainda questões que o partido precisa resolver para se galvanizar, não podemos encontrar desculpas em disputas. Neste momento temos a nossa candidatura que já apresentamos aos militantes, poderão aparecer outras. Estas questões são extemporâneas por que estamos apenas a dar voz ao que são as aspirações dos militantes do PAICV. Porque são os militantes que dizem que é preciso um novo fôlego, uma nova dinâmica, uma nova visão e um novo estilo de liderança no PAICV, uma liderança congregadora, dialogante. Como eu disse, não só diálogo interno, mas também diálogo com a sociedade porque a política deve resultar desse compósito entre os partidos políticos, a sociedade e as outras forças políticas. E não só os militantes avaliaram a necessidade de uma eleição, mas também os cidadãos, que fazem com que o partido possa ganhar as eleições, avaliam. Temos as sondagens que dizem que nestas condições o PAICV não ganhará as eleições com a liderança que temos. Não é a minha avaliação é a dos cabo-verdianos que votam em vários estudos de opinião e sondagens que nos dizem que é necessária uma nova dinâmica no PAICV. Uma liderança de um partido político não deve ter a pretensão de unanimismo. Nós devemos e temos de trabalhar e vamos propor trabalhar para recuperar a matriz comum que é o PAICV. Pôr o PAICV no centro e tirar as pessoas do centro. Termos o PAICV como centro da discussão, porque é a visão do partido político PAICV que o militante deve transpor para a sociedade. Porque é como partido político que conseguimos pôr a nossa visão de desenvolvimento e transformação na sociedade. Pelo que o objectivo essencial é o estilo diferente de pôr o PAICV como matriz no centro para todos os militantes. Porque o estilo diferente de liderança que propomos é um estilo em que o líder é aquele que lidera todos independentemente de ter votado nele ou nela. Não é o líder dos que votaram nele é o líder do PAICV independentemente das opiniões divergentes.
Há um PAICV dividido entre os que apoiam a actual liderança e aqueles que não a apoiam?
Efectivamente, aquilo que aconteceu no último Congresso é que há muitos militantes do PAICV que não estão nos órgãos nacionais do partido. Os militantes dizem isto. Basta ir à rua e perguntar se há qualidade e coesão e os militantes respondem que não, que o PAICV precisa de se unir, de ter todas as forças, todas as sensibilidades, todas as vozes, todo o seu potencial. Isto nota-se. Não são precisas grandes análises para verificar que é necessário mais diálogo, mais tolerância. Basta analisar as eleições em várias regiões e sectores do PAICV, a destituição de órgãos em várias comissões políticas regionais. É necessário que a liderança possa ser figura moral onde algum problema possa ser resolvido e não onde brotam os problemas no PAICV.
Quando apresentou a sua candidatura foi-lhe pedida uma avaliação da direcção actual do partido. Respondeu falando do Conselho Nacional. Mas qual é a avaliação que faz pessoalmente do trabalho desta direcção?
Continuamos a afirmar a mesma coisa, o nosso foco é o PAICV. A avaliação foi feita pelo Conselho Nacional que é o órgão que tem essa função. O Conselho Nacional avaliou e marcou as eleições. Mas também quem faz a avaliação de um partido e da sua liderança é quem vota no partido político. As sondagens são exemplo claro disto. A avaliação é do conhecimento de todos os cabo-verdianos. Temos toda a desorganização na educação, problemas na saúde, problemas nas ligações interilhas, nas privatizações obscuras, se temos problemas de seca e o governo não resolve, se com tudo isto o governo ainda é avaliado positivamente e a oposição baixa em termos de intenção de voto, a avaliação está feita pelos cabo-verdianos que são quem vota nos partidos políticos e nas suas lideranças. Nós não podemos estar aqui a pensar que a avaliação de um partido político deve ser feita por quem se quer candidatar à sua liderança. Isso podia ser uma avaliação somente pessoal. Nós vamos aos que votam no PAICV. Se há essa avaliação com problemas em vários sectores da governação e o governo continua a merecer a confiança dos cabo-verdianos e a oposição a baixar em termos de intenção de voto, nós, enquanto militantes, com a responsabilidade que já tivemos, que temos e que pretendemos vir a ter um pouco mais no PAICV, temos de dizer aos militantes que é preciso mudar o estado de coisas. Os cabo-verdianos estão a dar um sinal e esse sinal é através de sondagens. Se já nos disseram que assim como estamos eles não vão votar em nós, então é preciso levar a esperança aos cabo-verdianos, é preciso dizer que está aqui uma liderança que é capaz de fazer diferente em todos esses aspectos de governação. Mas para fazermos isto é necessário alterar o status quo dentro do PAICV.
As eleições são em Janeiro e o Congresso em Fevereiro e com as autárquicas em Setembro ou Outubro acha que terá tempo para organizar o partido por forma a ser uma alternativa válida nas eleições?
Vou usar uma linguagem de futebol. O PAICV precisa de um Bruno Lage. O Bruno Lage chegou ao Benfica e em seis meses ganhou o campeonato quando parecia que estava tudo perdido. Mas teve a capacidade de liderança, de trabalho, de diálogo, de inclusão. Até foi buscar jogadores que todos diziam que não contavam para nada, mas estavam lá no plantel, estavam disponíveis e queriam apenas uma voz de comando, a liderança, o estilo, a forma de fazer diferente, ou seja, bastava contar com eles. O PAICV precisa de ter esse líder inclusivo, dinâmico, dialogante, tolerante. Precisa desse líder que trabalha para a unidade e coesão do partido. Não é uma questão de tempo, é uma questão de criar dinâmicas. O partido já devia ter candidatos autárquicos no terreno. Não tendo, cabe ao líder que surgir depois do Congresso, que esperamos ser nós, criar a dinâmica necessária para ganhar as eleições. É por isso que eu digo que a base social está presente, é preciso ir buscar essa base. É preciso ir redinamizar esta base e é preciso criar essa confiança, essa empatia entre os militantes e a liderança, entre os militantes e a sociedade civil e entre a sociedade civil e o poder local. Porque o poder local tem uma dinâmica diferente do poder central e a dinâmica de eleição no poder local exige a presença efectiva dos candidatos que irão disputar as eleições. Eu já disse e volto a frisar. Não é uma questão de tempo. Já tivemos um congresso, no ano 2000, entre Felisberto Vieira e José Maria Neves que foi perto das eleições legislativas. Mas o líder que saiu daquelas eleições [internas] foi José Maria Neves e a capacidade que teve de mobilizar os militantes do PAICV foi de tal forma que conseguiram ganhar as eleições legislativas quando o MpD tinha ganho as eleições em 1996 com maioria qualificada. Portanto, não é uma questão de tempo, é uma questão de estilo de liderança, de forma de liderança e dos objectivos. O PAICV esteve presente em todos os grandes momentos da história de Cabo Verde e é preciso criar, de novo, essa confiança nos cabo-verdianos. É fundamental ter um líder que conta com todos e que diz a todos que eles são tão importantes quanto ele que é líder. O projecto deve ser de galvanizar o líder para o partido e não um chefe para o partido.
Porque é que avança agora e não avançou em 2017?
Nessa altura não avançamos com nenhuma candidatura, porque nós fomos contra aquelas eleições. Depois das derrotas achamos que era tempo de o partido repensar a sua organização. A direcção tinham um mandato que não caducou e era preciso ir às bases para reorganizar o partido, porque o problema não estava em fazer eleições. Fazer eleições só por fazer, faz-se a qualquer altura. E fizeram-se as eleições mas não se resolveram os problemas do PAICV. Nas eleições de 2017 conseguimos a unidade do partido? Conseguimos a coesão? Conseguimos galvanizar a população? Eu disse, na altura, que tínhamos de partilhar a confiança dos cabo-verdianos, que era preciso ir ao encontro dos cabo-verdianos. Naquela eleição disseram que queriam a confiança, que queriam relegitimar-se perante os militantes. Nós fomos contra aquela eleição porque ia antecipar o jogo interno no PAICV. Não tinha um objectivo preponderante como a união, a coesão, reflectir as causas da derrota. Porque perder eleições é normal em democracia. Podemos perder as eleições e manter o partido e a instituição PAICV. Nós perdemos as eleições e, sem reflectir porque é que as perdemos, achamos que devíamos marcar as eleições. Pôs-se o lugar à disposição, porque é que não se pediu a demissão? Três anos se passaram e quais as premissas que foram concluídas neste momento? Não conseguimos aumentar o nosso score nas sondagens, a nível autárquico também não temos uma agenda própria para combater os actuais presidentes de câmara do MpD. É assim que, não tendo uma autonomia para desenvolver um projecto autárquico em todos os municípios, adiou-se a escolha desses para o mês de Março. O que para nós é um risco político muito grande que o PAICV vai ter de assumir em qualquer circunstância. O PAICV está acima das suas lideranças. As lideranças são sempre circunstanciais. Já tivemos Amílcar Cabral, já tivemos Aristides Pereira, Pedro Pires, Aristides Lima, José Maria Neves. Vamos ter outros. A cada tempo teremos um líder. A instituição deve continuar, pelo que neste momento é possível dizer que em 2017 não concorremos porque para nós aquelas eleições não tinham nenhum objectivo traçado para a vida do partido. Nós demos o benefício da dúvida à actual direcção do partido para em três anos reorganizar o partido, para lançar as bases de organização do partido. Aconteceu? Não. Então, aquele Congresso, aquela eleição, aos olhos de muitos, serviu apenas para afastar alguns militantes dos órgãos do partido. Mas isso não resolve nenhum problema, porque a vida política e partidária faz-se independentemente de se estar ou não nos órgãos do partido.
O PAICV não mudou de 2016 para agora?
Não disse que não mudou. Mas mudar ao ponto de aquilo que todos nós, enquanto militantes, gostaríamos que mudasse, acredito que não. Se tivesse mudado, se tivesse cumprido o seu papel tanto como gostaríamos, as sondagens estariam a dar outros resultados e o Conselho Nacional teria avaliado de forma diferente o desempenho dos órgãos nacionais do PAICV e não teria marcado as eleições só porque terminou o prazo do mandato da direcção actual.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 926 de 28 de Agosto de 2019.