Pesca Artesanal em Cabo Verde: Declínio Ameaça Recursos Marinhos
A pesca artesanal em Cabo Verde está em declínio, com redução no volume e tamanho dos peixes. Práticas de pesca não sustentáveis, como a pesca semi-industrial, contribuem para o esgotamento dos recursos marinhos. A Síndrome do Deslocamento da Linha de Base afeta a percepção das comunidades locais sobre o estado dos ecossistemas.
A pesca artesanal desempenha um papel vital na segurança alimentar e subsistência de milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente em países de baixa renda na África. No entanto, há uma falta significativa de dados estatísticos sobre a composição, abundância e distribuição dos recursos pesqueiros, o que é crucial para uma gestão eficaz.
Uma nova pesquisa, recentemente publicada na revista Marine Policy, documenta mudanças nas capturas da pesca artesanal, destacando um declínio significativo não apenas no volume das capturas, mas também no tamanho dos peixes de espécies locais-chave. Cientistas compilaram dados oficiais de desembarque de pescado e combinaram-nos com o conhecimento ecológico local de pescadores e peixeiras da ilha do Maio, em Cabo Verde, designada Reserva da Biosfera da UNESCO desde 2020.
"O monitoramento dos desembarques de pescado nos países da África Ocidental é limitado e subrepresenta as capturas a nível local, especialmente da pesca artesanal, criando lacunas de dados que dificultam uma gestão eficaz", afirma Thais Peixoto Macedo, pesquisadora do ICTA-UAB e autora principal do estudo, que explica que os relatos dos pescadores tradicionais revelaram tendências que são mal captadas nos registros oficiais. "Os resultados nesta área mostram-nos tendências que provavelmente ocorrerão noutras ilhas do arquipélago ou noutras zonas costeiras da África Ocidental e devem ser tidas em conta nos planos de gestão dos recursos marinhos."
As comunidades locais acreditam que certas práticas de pesca, como a pesca submarina com equipamento de mergulho e a pesca semi-industrial com redes de cerco e luzes noturnas, são os principais contribuintes para o declínio dos stocks de peixes. No caso da pesca semi-industrial, relatam que os navios pescam dentro da zona das três milhas náuticas e em áreas marinhas protegidas reservadas à pesca artesanal. As espécies mais relatadas como esgotadas incluem garoupas (garoupa escura, garoupa da ilha e garoupa africana) e pequenos peixes pelágicos como a cavala e a carapau-olho-grande. As lagostas-espinhosa e as lagostas-sapateira, particularmente visadas para abastecer as ilhas mais turísticas, também foram consideradas esgotadas.
"Segundo os pescadores locais, o declínio dos pequenos peixes pelágicos devido à pesca costeira semi-industrial está a afetar negativamente as capturas artesanais de grandes espécies pelágicas, como o atum-albacora e o albacora-voadeira, uma espécie comercial importante para os mercados locais e internacionais", afirma Benalsy Varela, funcionário do FMB que contribuiu para o estudo.
A pesquisa destaca um fenómeno conhecido como "Síndrome do Deslocamento da Linha de Base", em que as pessoas ajustam gradualmente a sua percepção do que é saudável ou natural a uma nova realidade, esquecendo as condições passadas e aceitando-a como a "nova normalidade". Os pescadores mais jovens relataram capturas e tamanhos de peixe menores do que as gerações mais velhas, mas uma maior proporção do grupo mais jovem acredita que os stocks de peixe não estão em declínio.