Taxa de Segurança Aeroportuária (TSA) - Mario Paixao

Instituições cabo-verdianas, utentes dos transportes aéreos e cidadãos nacionais, no pleno exercício da sua cidadania, têm questionado a recente implementação de uma nova taxa de segurança aeroportuária (TSA).

Aug 23, 2018 - 13:07
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Taxa de Segurança Aeroportuária (TSA) - Mario Paixao


Instituições cabo-verdianas, utentes dos transportes aéreos e cidadãos nacionais, no pleno exercício da sua cidadania, têm questionado a recente implementação de uma nova taxa de segurança aeroportuária (TSA). O que não é para menos, tendo em conta a forma e a natureza, anómalas, da referida actualização: ao aumento brutal, acresce-se o facto de ter sido o Governo (não a Agência da Aviação Civil, a autoridade aeronáutica nacional, como seria normal e esperado) a liderar, a moderar e a decidir no processo. A implementação da TSA entrou na agenda em 2001, no seguimento dos atentados terroristas em Nova Yorque. Os Estados contratantes da OACI (Organização da Aviação Civil Internacional) decidiram pela implementação de novas medidas de segurança nos aeroportos, como forma de prevenção e combate a actos de interferência ilícita na aviação. Cabo Verde não fugiu à regra e foram implementadas medidas restritivas no tocante aos acessos a áreas sensíveis dos aeroportos, rastreio de bagagens de porão e de cabine por máquinas de raio-x, controle de líquidos e carga perigosa, inspecção por pórticos detectores de metais, etc. Estudos levados a cabo no âmbito da aprovação de planos de negócio no sector, aconselharam a implementação de uma taxa de segurança para fazer face aos investimentos e à recuperação de custos na segurança aeroportuária, mas as autoridades cabo-verdianas decidiram suster essa medida para não penalizar a competitividade dos aeroportos e do destino. As despesas de capital, os investimentos e os custos de implementação e manutenção dos equipamentos foram suportados pelos orçamentos dessas empresas e instituições, durante vários anos. Mesmo quando, em 2007, se fez uma actualização das taxas aeroportuárias (a de passageiros inclusive, para atenuar os esforços financeiros com a expansão e modernização dos aeroportos, logo, níveis mais elevados de serviços aos passageiros), optou-se pela não criação dessa TSA para não penalizar os operadores e os utentes dos transportes aéreos, que passavam por dificuldades várias. Entretanto, cresceram os níveis de ameaças e, com eles, se impuseram novas exigências na cabal implementação do Programa de Segurança da Aviação Civil e dos Programas de Segurança Aeroportuários, o que veio a induzir novos estudos sobre a implementação de TSA, tal como era prática admitida pela OACI e aplicada em todos os Estados membros. O processo foi liderado pelo regulador do sistema, a Agência da Aviação Civil (AAC), tal como determinado no Decreto-Lei 27/2004 que aprovou os Estatutos da agência (Regulação Económica, Secção I, artº 10º), com suporte da ASA, companhias aéreas, Polícia Nacional, Forças Armadas, etc. Previa-se a substituição e aquisição de equipamentos mais sofisticados, instalação generalizada em todos os aeroportos e aeródromos nacionais, alargamento dos serviços de rastreio de passageiros e bagagens a empresas privadas e aposta intensiva na formação de pessoal. Acima de tudo, exigia-se transparência no cálculo dos custos de investimento e despesas operacionais, receitas, previsão do crescimento do tráfego e consequente recuperação de custos, com vista a se chegar à definição exacta do montante da taxa de segurança para as operações internacionais e domésticas. No seguimento dos estudos e consensos no sector, a AAC publicou o regulamento nº1/2013, de 31 de Julho de 2013, que define claramente os contornos da criação da TSA, a sua incidência e a qualidade da segurança esperada nos aeroportos (cujos padrões foram definidos por acordo escrito entre a AAC e a ASA). O diploma entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2014. Até hoje, os valores da TSA para cada título de passagem são os seguintes: a) voo internacional: 300$00; b) voo doméstico: 150$00. O regulamento também define isenções a crianças menores de 2 anos, funcionários em missão de Estado (em regime de reciprocidade), bem como passageiros de aeronaves que realizam escalas por motivo de força maior. Ficou claro no regulamento que para a boa saúde do sistema e respeito pela normativa nacional e internacional, “as importâncias cobradas devem ser destinadas exclusivamente para cobrir o custo de prestação do serviço de segurança, concretamente a aquisição, o financiamento, a instalação, a operação e manutenção de equipamentos, a aquisição de serviços e materiais” (Preâmbulo do diploma). 
Por tudo isso, é no mínimo estranho e desajustado a forma como o Governo decidiu alterar essa taxa, desta vez retirando-a do seu contexto próprio (um regulamento), transferindo o acto para a alteração do Decreto-Lei nº2/2015 que regulamenta o regime jurídico de entrada, permanência, saída e a expulsão de estrangeiros do território cabo-verdiano. Se essa TSA se refere à segurança aeroportuária (como o próprio nome indica), nunca poderia discriminar os passageiros em função da nacionalidade. De igual modo, tem deixado muito a desejar a comunicação do governo sobre a matéria. Enquanto o Primeiro-Ministro e o Vice-Primeiro Ministro alegam compensação pela perda de receitas decorrentes com a isenção de vistos, o Ministro da Economia diz que “tem a ver com a segurança das fronteiras do país”. Ninguém acerta, com o devido respeito, pois os serviços de segurança aeroportuária e os de emigração e fronteira são de natureza distintos. Enquanto os primeiros se direccionam para a segurança da aviação civil (AVSEC, Aviation Security) e englobam todos as partidas internacionais e domésticas (em alguns casos, voos em trânsito), os segundos se reportam ao controlo da entrada e saída de pessoas e bens nas fronteiras do país, bem como estadia e permanência de estrangeiros no território nacional (serviços de Facilitação, Aviation Facilitation). É evidente que, embora anacrónica, a primeira argumentação se aproxima mais da intenção do decisor: as receitas da TSA são para cobrir as perdas com as receitas das isenções de visto. O que põe à mostra dois erros, sendo que o segundo (o pior, pois claro) serviu para mascarar o segundo: a ligeireza na decisão sobre a isenção de vistos e o tropeção na aprovação da nova TSA de 3.400 Escudos para o passageiro internacional sem passaporte nacional e 150$00 para o passageiro doméstico. Por norma, essa TSA nunca poderia alimentar o orçamento do Estado ou de outra entidade qualquer, a menos que fosse prestador de serviços de segurança. E por último, mas não menos importante, é aberrante que seja o Governo e não a AAC a liderar e a tomar as decisões que se impõem na matéria. Ao preferir uma solução de camuflagem, alegando uma coisa num diploma legal quando pensa (e declara) fazer outra, o Governo desferiu um sério golpe ao princípio da transparência que norteia as decisões sobre a gestão económica da aviação civil. Até hoje, em Cabo Verde ou em qualquer parte do mundo, a TSA serve para financiar a prevenção e a repressão de actos ilícitos contra a aviação. E é paga por todos os passageiros, no embarque, sem descriminação, na medida justa e correcta, com as isenções previstas para casos desta natureza. A Nação andará por maus caminhos se se começar a subverter as boas práticas na administração dos assuntos do Estado, em particular da aviação civil. Mais mal, ainda, se a autoridade que regula o sector (técnica e economicamente) for colocada à margem por razões inconfessáveis.