Um Eleitorado Imprevisível

Jan 1, 2016 - 10:08
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Um Eleitorado Imprevisível

O perfil do eleitorado nacional mudou, radicalmente, num curto espaço de tempo. Se em 2011 a maioria do eleitorado (62%) afirmava sentir-se próximo de algum dos partidos políticos, já em 2014, só 38% continuam a afirmar o mesmo e, quando inquirido em qual dos partidos pretenderia votar caso as Legislativas fossem realizadas naquele ano, 54% do eleitorado preferiram não expressar intenção de voto em qualquer dos partidos apresentados, segundo dados do Afrobarometer 2014.

O desencanto do povo com a classe política dirigente nacional atingiu, nos últimos anos, níveis elevados sem que, no entanto, houvesse uma conscientização das consequências de tal situação em aspectos relevantes para o futuro do país.

Desde logo, a legitimidade dos governos eleitos, quer sejam minoritários ou maioritários se forem escolhidos através de processos com baixa participação eleitoral e no contexto de elevado nível de desconfiança nas instituições políticas como é o que se verifica, actualmente, pode propiciar situações de crise institucional e problemas de governabilidade pelo potencial de contestação subjacente que engendra.

Parece que o quadro existente não seja propício para promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo e para o combate aos principais problemas do país que requerem amplos consensos e a participação de todos. No capítulo eleitoral, a preferência do eleitorado cabo-verdiano mudou, consideravelmente, de 2011 à presente data e pode surpreender, novamente, os partidos políticos e candidatos às próximas eleições previstas para 2016.

A evidência empírica desse reflexo foram os resultados das candidaturas nacionais de candidatos independentes a Presidente da República, em 2011, Aristides Lima e Jack Monteiro com mais de 20% dos votos e de Jorge Carlos Fonseca que vence a eleição presidencial (55%) contra Inocêncio Sousa (45%), um candidato do PAICV cujo partido apoiante acabara de obter uma vitória eleitoral expressiva, meses atrás, por maioria absoluta.

As manifestações promovidas pelo “MAC #114” que eclodiram em protestos um pouco por todo o país aquando da aprovação dos Estatutos dos Titulares dos Cargos Políticos representam outro claro exemplo da insatisfação popular contra a classe política, no referido período.

Com efeito, em 2014, pela primeira vez, desde 2002, o percentual do eleitorado que afirma não ter preferência por qualquer um dos partidos concorrentes às eleições (56%) supera aqueles que afirmam preferir um ou outro partido (38%), segundo dados do Afrobarometer 2014.

De 2002 até 2011, em média, a maioria do eleitorado (55%) afirmava ter preferência partidária e só uma minoria (38%) declarava não possuir preferência partidária.

Num período de três anos, de 2011 a 2014, os partidos perderam em torno de 24% de preferência partidária. Isto significa que, doravante, para cada eleição terão uma massa maior do eleitorado a convencer para tentar obter o seu voto, ao contrário do que acontecia no passado quando a maioria do eleitorado já estava, tendencialmente, ligada a um ou outro partido ou candidato antes de qualquer eleição.

Todos os principais partidos estudados perderam a preferência do eleitorado, mas o MpD e o PAICV são aqueles que têm maiores perdas absolutas e a UCID aquele que regista a menor perda de preferência pelos eleitores.

Em termos absolutos, a preferência eleitoral pelo PAICV é superior àquela expressa para o MpD e este tem preferência superior àquela expressa pela UCID.

Segundo esse levantamento da Afrobarometer, 2014, se as eleições fossem realizadas naquela época não haveria maioria absoluta para nenhum partido e a intenção de voto mais elevada alcançaria apenas 22% para o PAICV, seguido pelo MpD com 20% e 4% para outros partidos, sendo que mais de metade do eleitorado (54%) não pretendia votar ou estava indecisa ou não quis responder. Porém, o PAICV é aquele partido cuja elasticidade entre preferência e intenção de voto é a mais baixa, seguida pelo MpD e UCID na ordem relativa inversa, em outras palavras, equivale a dizer que cada ponto percentual de preferência partidária pela UCID corresponde à probabilidade de conquistar, relativamente, mais votos do que o mesmo ponto percentual para os outros partidos. Também, o PAICV é apontado como o partido que regista o menor índice de confiança (39%) por parte do eleitorado comparado aos partidos da oposição (42%).

Considerando que de 2014 até 20 de Março de 2016 vários factos políticos relevantes aconteceram e acontecerão, o mais provável é uma grande indefinição do quadro eleitoral final.

Por exemplo, há que se computar e avaliar os efeitos da tentativa de aprovação dos Estatutos dos Titulares dos Cargos Políticos pelo eleitorado; as consequências do afundamento do navio “Vicente”; as sucessivas manifestações dos funcionários públicos de diversos sectores contra o Governo; as reclamações dos deslocados da Chã das Caldeiras; as denúncias de malversação dos fundos do meio ambiente; a percepção das falhas nos projectos infraestruturais reveladas após as chuvas, etc.

Além dessas questões substantivas, existem as institucionais, nomeadamente, o surgimento de novos partidos políticos e o desempenho na realização do recenseamento eleitoral que pode impactar no resultado eleitoral.

Levando em conta o perfil sociodemográfico do eleitorado por partido político concorrente às Legislativas de 2011, a deficiência na realização completa do recenseamento eleitoral para as próximas eleições poderá prejudicar mais os partidos da oposição, nomeadamente, a UCID e o MpD do que o PAICV, pois que, a maioria (mais de 50%) dos eleitores dos primeiros tinham menos de 30 anos de idade e é, exactamente, nesse grupo (18 a 23 anos) que a fila de recenseamento é maior e quanto ao PAICV a maioria do seu eleitorado tinha idade superior a 30 anos.

As próximas eleições representam várias incógnitas, se de um lado a avaliação do desempenho do Governo é negativa e o descontentamento popular é elevado, por outro lado, a capacidade das oposições em transformar essas insatisfações em intenções de votos favoráveis aos mesmos partidos é muito fraca, por enquanto.

Ainda, registam-se os graves factos denunciados nos pleitos anteriores referentes à compra de votos, condicionamento do eleitor, uso irregular de recursos para captação de votos que se não coibidos para as próximas eleições poderão determinar resultados eleitorais imprevisíveis e não legítimos e, por conseguinte, ensombrar e manchar o processo de consolidação democrática em curso.

joaostav@hotmail.com